Divina Comunhão




Ele chegou sem fome de palavras, tampouco trazia nos olhos a sede da expectativa, a surpresa de enfim, encontrar a alma mais querida, coberta com o véu da elegante simplicidade, desnuda e acolhedora a tudo que ele escondeu por precaução e medo de quem, um dia, tudo deu e perdeu. O garçon trouxe a carta de vinhos, mas seus pensamentos estavam imersos em desejos tintos, encorpados numa estranha transubstanciação. Um cacho loiro insistia em cair naquele rosto de fulgor lunar. Ela então, delicadamente, o colocou atrás da orelha e sorriu. Um simples gesto que provocou nele um frêmito: Seu corpo nu...como seria ? mas o pensamento fugiu. Sua visão jazia em consagração, pregada em algo que há muito ele conhecia, carecia apenas da concretização no espaço daquela mesa que os unia e separava. À luz de velas, os dois ardiam – um frente ao outro. O garçon voltou com o pão, depositou dois cálices e em silêncio retirou-se. Os olhos dele ainda permaneceram ali, por um tempo, até vislumbrarem a doce redenção que prescinde de confissões e então, em profunda volúpia, eles comungaram lascivamente com os dela:

Senhora, eu não sou digno que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e minha alma...assim como meu corpo, serão salvos.