Motel e carro velho não é uma boa combinação

Você manja motel?

Acho que todo mundo conhece, mas pra quem não sabe, tem aquela definição clássica que considera motel como um lugar onde as pessoas exercem o sagrado preceito de pecar contra a carne.

Realmente, na minha humilde opinião, essa de pecar contra a carne tá mais voltada pra gula, porque a carne aparece em geral no que eles chamam de cortesia que é um filé com fritas que a gente traça, depois de devidamente saciados os tais pecados da carne no conceito bíblico.

Mas isso não vem ao caso, essas definições de natureza teológicas ou gramaticais não interessam tanto. A verdade é que o motel está lá, prestando um serviço público, no meu entender de alta relevância...

Pois é, o fato que vou contar aconteceu realmente com um amigo meu e serve como advertência a determinada parcela da sociedade digamos assim, desprovida de maiores recursos rodoviários.

Dificilmente se chega ao motel sem ser em carro próprio. Tem quem vá de taxi ou de moto, maneiras menos usuais, entretanto, bem mais recomendáveis do que aqueles que entram a pé chegam na portaria e soltam:

-Bartolomeu, me dê o mesmo da semana passada, se tiver ocupado me dê aquele em frente.

Isto demonstra uma intimidade com a direção do estabelecimento, um bom conhecimento arquitetônico do local, mas para a acompanhante, deixa entrever um certo que de grossura...

Meu amigo, era um daqueles sem maiores recursos, mas estava na primeira hipótese ou seja tinha carro próprio. Não era um carro, desses de rico, não posso citar marcas porque vou incorrer em vários artigos da Lei de Propriedade Industrial, mas posso adiantar que estava mais pra aqueles tipos que já saíram de linha e são bastante encontrados na Baixada Fluminense, rodando ali por Nova Iguaçu, final da Dutra, começo da linha vermelha etc...

Pois bem, esse meu amigo arranjou uma namorada dessas meio virtuosas e teve que jogar muita conversa pra conseguir convencê-la a ir participar com ele do filé com fritas da cortesia, depois de cumprido o sagrado ritual que eu falei lá atrás.

Foram, e depois dos prazeres de praxe, chegaram na hora de ir embora (desocupar o beco, no popular).

Levantada aquela cortina que garante a discrição dos usuários, entraram no tal carro, meu amigo virou a chave na ignição e ouviu aquele barulhinho irritante: tec.

Nova tentativa, tec outra vez. Várias vezes, uma seqüência de tecs... Ele fez o que todos nós fazemos. Saiu do carro levantou o capô e ficou olhando para o motor com aquela cara de jumento olhando uma igreja, ou seja, não entendendo nada. Em minutos chegou um funcionário da casa:

-posso ajudar? (típica pergunta idiota porque numa hora dessas, o que você precisa mesmo é de ajuda.)

- É bateria, disse ele, senta ai que eu vou empurrar.

Ele sentou, olhou desconfiado pra namorada que tapava o rosto com as mãos, engatou uma ré e esperou o cara empurrar. Desceu a rampinha do apto, soltou a embreagem o motor tossiu e parou.

-Bote em segunda agora, disse o funcionário, vamos de frente que vai pegar.

Ai chegou o faxineiro que tinha vindo fazer a limpeza, e ajudou a empurrar também. Isso deu mais velocidade, mas o mesmo resultado anterior. A essas alturas eles já estavam perto da saída e encostou atrás um carro com um casal que estava saindo. O cara viu a situação, e solidariamente, encostou o pára-choque dianteiro na traseira do carro do meu amigo e tentou empurrar mais rápido, nada. Ultrapassou e foi embora sem se despedir. Meu amigo empurrou o carro tristemente para o meio fio da pista de saída e foi atender a namorada que chorava copiosamente. Os empregados olhavam a cena balançando tristemente as cabeças, solidários que eram.

A movimentação estranha atraiu o gerente.

Você sabe que gerente de motel tem um jogo de cintura e uma diplomacia de deixar qualquer um do Itamaraty de queixo caído. Esse não negou a fama. Olhou a situação, chamou meu amigo do lado verificou se ele tinha pago a conta e disse:

- a melhor solução é o senhor deixar o veículo aqui conosco, eu chamo um radio táxi, o senhor leva sua acompanhante e amanhã pela manhã traz um mecânico e vê o que houve com o veículo. Isso mesmo, ele falou veículo! Meu amigo olhou aquela lata velha elevada à categoria de veículo, aprovou a proposta, sensata por sinal, entrou cabisbaixo no tal veículo, esperou a chegada do táxi, vendo os outros sortudos saírem nos seus carros.

Saíram em silencio e ele deixou a namorada em casa no Flamengo. Pagou o táxi e foi a pé pra Botafogo porque não tinha mais dinheiro para o onibus.

Pergunta se ele viu essa namorada de novo...

ZéCarlos
Enviado por ZéCarlos em 21/01/2006
Reeditado em 12/02/2006
Código do texto: T101877