Parábola: O aprendiz de pintor

Era um jovem muito bem afeiçoado, como se dizia antigamente. Começou a frequentar a sociedade dos pintores. Iam todos, com suas tintas, seus cavaletes, telas limpas e todos os apetrechos necessários à pintura, para o campo.

Lá chegavam bem cedo e começavam suas criações. O aprendiz achava lá também o seu espaço e começava o seu trabalho. Antes, no caminho, entrava na conversa animada dos mestres. A princípio só ouvia, mas depois começou a fazer perguntas. Não demorou muito para que começasse a dar seus palpites. Os artistas ouviam-no pacientemente e respondiam às suas dúvidas.

Quando chegavam ao local escolhido era ainda cedo e começavam os esboços. Faziam silêncio e aguardavam as ideias. Logo o silêncio era interrompido com a chegada dos apreciadores de todos aqueles talentos reunidos, que buscavam ali seus ídolos e suas obras magníficas.

O jovem se encantava com aquele ambiente e sonhava ser um daqueles grandes. Aos poucos foi percebendo que seus trabalhos chamavam a atenção já dos apreciadores e especuladores que se misturavam na paisagem entre as árvores, redes e bancos.

Ao menor traço que fazia ouvia sussurros entre os espectadores e pensava sempre que falavam de seu trabalho. Chegava mesmo a fazer pequenos rabiscos jogando os cabelos, aprumando o corpo e olhando para trás de si para ver a reação dos curiosos. Fazia pose, sentia-se um grande artista aclamado pelo povo. Delirava ouvindo aplausos.

Aos poucos esqueceu-se dos mestres; ia à frente deles, era tão jovem e já era assim tão respeitado. Não fazia nenhuma cerimônia para copiar ou recriar os trabalhos dos mestres e havia sempre os que achavam que ele se saía um gênio a superar todos os outros.

E empolgava-se com seus traçados e combinações de cores. Ficava estupefato diante da sua tela. Já não tinha muito o que perguntar e aprender; pensava e posava também de sábio. E a cada dia mais se empolgava com os rumores daquela gente pouco esclarecida da verdadeira arte.

Compravam os seus quadros, que eram muito bem cotados e ganhava dinheiro, fama e admiração. Afastava-se mais e mais dos antigos companheiros e mestres, só se achegando a eles para recriar-lhes os trabalhos, mas até dessa sua atitude desonesta se esquecia logo e tratava era de aproveitar-se da fama rápida. E a cada dia mais se empolgava com as ovações do seu público, a ponto de só mover braços e pincéis se os mais entusiastas fãs já houvessem chegado ao recinto.

Os pintores de nada se queixavam e continuavam os seus trabalhos. Até que um dia surgiu novo aprendiz que lhe roubou a cena e a pose. Seu trabalho medíocre foi esquecido e todo o aplauso era agora para as novidades de gestos ainda mais exagerados de seu sucessor. Assim é que foi esquecido ele também, junto com sua obra vulgar. Os mestres continuaram a sua arte em meio a outros aprendizes, alguns verdadeiros gênios, outros, nem tanto.

Ninguém mais soube ao certo do paradeiro daquele primeiro aprendiz. Alguém disse que o vira um dia fazendo letreiros e anúncios em muros e postes numa vila não muito distante dali.

Neusa Storti Guerra Jacintho
Enviado por Neusa Storti Guerra Jacintho em 06/06/2008
Reeditado em 01/03/2013
Código do texto: T1021663
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.