Triste fim de um romance

TRISTE FIM DE UM ROMANCE

No Sítio Várzea Grande, No Município de Chã de Alegria, Zequinha mora numa casinha de pau a pique, mas coberta de telha, diferindo um pouco das demais que são ainda cobertas Sapé, um tipo de capim muito usado na região para esta finalidade. Na frente o açude coletivo, onde Zequinha toma banho com os amigos. A escolinha municipal onde estuda, fica um pouco distante: já bem perto da Ladeira do Boi. O Sítio Várzea Grande, para quem não conhece, tem esse nome em razão de se tratar de uma planície cortada por diversos riachos convergindo para o açude. Já fora parte de um engenho de açúcar, hoje é dividido em diversas glebas, cujos proprietários plantam as mais variadas culturas. Zequinha mora com sua mãe – dona Severina Biu, que toma conta da casa e é zeladora da capela, sem remuneração. É a capela de São José, uma pequena igreja construída quando Elias Lira era prefeito; Com seu pai – Neco Julião, que se ocupa no cultivo de mandioca e hortaliças e seu tio – Biu de Doda, que cria vaca de leite e ajuda o irmão em suas plantações.

Zequinha é “xoxinho”, oito anos parece seis. Morre de medo de papa-figo. Quando não ta estudando, gosta de pastorear as vacas do tio, e tratar dos leirões de coentro e aguar. Na escola é tido como sabido pelos colegas; nas aulas que têm sabatina dificilmente leva “bolo” da professora ou vai de joelho sobre os caroços de milho, pois responde as perguntas com precisão. No caminho da escola sempre acompanha uma colega, é a Vanessa, filha de Pedro Zuzu e dona Pituca. Sempre chegam juntos na aula.

- Cuidado, viu mocinho. Se inventarem coisa de namoro na escola, vão pro caroço de milho e digo a seu pai, viu Zequinha? Você leva uma “pisa” de cinturão do lado da fivela.

Zequinha nem sabia o que era isso. Ficava atônito com as insinuações da professora. É que Sônia, a sua professora pensava mais em namorar que ensinar aos meninos as primeiras letras da Carta de ABC. Zequinha já tinha terminado a Carta e estava no início da Cartilha. Já sabia a Tabuada quase toda decorada.

Vanessa, Nêssinha como os colegas chamavam, era atrasadinha. Da mesma idade de Zequinha, mas não saía da Carta de ABC, tabuada; quase todo dia repetia a de somar. Mas era uma danada na brincadeira de pular corda no recreio. Já Zequinha é mais de contar histórias.

Mas a amizade de Vanessa e Zequinha é de chamar atenção. Moram perto e além de sempre irem para escola juntos, estão presentes em todas as brincadeiras onde meninas se juntam com meninos. Não são muitas casas no lugarejo, mas formam um tipo de vila rural. Não tendo luz elétrica, a meninada se reúne na calçada da venda de Anastácio que fica na frente da igreja protestante. Diferente da igreja católica, a igreja evangélica abre todas as noites para os fiéis rezarem o culto. Sendo a igreja iluminada por diversos candeeiros, daqueles que dá bombada e tem uma manga de vidro – parece mais uma bomba, a frente fica conseqüentemente toda iluminada. É aí que meninada, inclusive Zequinha e Wanessa, aproveitam para na calçada da venda jogarem criminoso, dominó, curre-curre ou pega varetas, ou ainda brincarem de amarelinha ou passa o anel, elefante colorido e corre cotia. Nas noites de lua geralmente os meninos se separam das meninas, pois preferem as brincadeiras mais ligadas à rua, como se esconder, cabo de guerra, barra manteiga e até soltar pião.

- Curre-curre!

- Eu entro!

- Com quanto?

- Com cinco!

- Perdeu!

- Paga cinco. (caroços de milho assado; joguinho muito preferido por jovens e crianças do sítio na época junina).

Quem não gosta muito dessas brincadeiras é Anastácio, pois o movimento dos meninos na calçada da budega gera muita poeira, que entra pelas brexas da porta, e todo dia de manhã tem que além de varrer, passar pano molhado no chão. Ele gosta de tudo limpo, ademais, vende de tudo: rede, esteira, balaio, candeeiro, querosene, pião, fieira, bola de gude, farinha, feijão, carne seca, fradinha, sardinha de caixão, bagre, levanta a saia, tanajura, vinagre, colorau, óleo de comida, café em caroço e moído, sabão campeiro, linha, botão, ziper, sabonete Eucalol, talco Gessy, brilhantina Zezé, aspirina, vermicida Lima, emulsão de Scot e muito mais.

- Seu Anastácio, tem remédio de dor de barriga de cavalo?

- Tem Zequinha.

- Como é o nome?

- É Salamago.

- Pronto, é desse mermo. Pai mandou comprar e disse pra botar na caderneta.

- Pode levar. Diga a compadre Neco que derrame o frasco todo na goela do cavalo ou então dê feito cristé, pelo “fiofó”.

Sempre que os alunos fazem aniversários, a professora Sônia improvisa uma festinha na escola. Hoje é o aniversário de Zequinha. O bolo sempre é feito pela mãe do aluno e no horário do recreio, aumentado para meia hora em dias de festança, acontece a comemoração. As crianças sempre recebem com a maior felicidade.

- Quem trouxe presente para Zequinha? Pergunta a professora.

- Eu, eu, eu, eu, eu.......................................................................

Zequinha ganha, bolas de gude, pipa, jogo de botão, dominó e até um cavalo de páu. Porém o presente que mais gostou foi dado justamente pela colega que mais gosta. Vanessa lhe deu de presente um pião com fieira e tudo. E Zequinha lhe prometeu ensinar soltar o pião e botar para dormir na mão, como os demais meninos faziam. Dois meses depois chega o aniversário de Vanessa e a comemoração é idêntica. Zequinha lhe presenteia com uma boneca de pano comprada por sua mãe na feira livre de Vitória de Santo Antão. Terminada a festa e a aula, voltam correndo e brincando para suas casas. No caminho Vanessa conta Zequinha que “denoite” a comadre Fulozinha fez tranças nas crinas de todos os cavalos de seu pai e ainda roubou os ovos da galinha que tava deitada chocando.

- Tô com medo que ela venha eninhar meu cabelo quando eu tiver dormindo.

- Eu mato ela, diz Zequinha.

Mas também morre de medo da caipora e do saci pererê.

- Vocês vão caçar peba hoje Neco? Pergunta dona Biu.

- Vamos. Vai eu, compadre Pedro Zuzu e Biu.

- Levem só o cachorro. Deixe Baleia presa. A comadre fulozinha gosta de maltratar ela quando ta na mata. Outro dia deu-lhe uma surra de hortiga e ela já ta por perto. Escutei assobiando pela beira da mata. Levem também fumo pra ela fumar, senão ela espanta o tatu. Ela hoje ta danada!

- Ta certo; Baleia fica.

E lá se fora caçar o tatu Peba. E não deu outra. A comadre fulozinha fez o cachorro se perder no mato e ainda deu-lhe umas lapadas com cipó de fogo. De casa deu para dona Biu ouvir os gritos de Tubarão e as risadas da caipora. No outro dia as crinas dos cavalos amanheceram cheias de espinhos e o chiqueiro das galinhas de porta aberta. Mas não sumiu nenhuma galinha.

O tempo vai passando e a amizade de Zequinha e Vanessa cada vez mais se cristalizando. Zequinha vai se tornando jovem, mas sempre trabalhando nos afazeres da propriedade e estudando. Vanessa, por sua vez, passa a estudar na cidade de Glória do Goitá, mesmo uma pequena cidade, mas com melhores condições. Vanessa também pensa em formar-se de professora e para isso terá que ir estudar em Vitória de Santo Antão, onde tem curso de Magistério. Dito e feito. Vanessa inicia o curso de professora no turno da manhã. Cabocla muito bonita, pele morena rosada, corpo sinuoso, boca pequena, seios fartos, era admirada por todos os rapazes das redondezas. Mas Vanessa não dava trela e logo começa a namorar Zequinha. Isso com consentimento dos pais de ambos os lados e aprovação de toda família, tanto dela quanto dele. Mas Vanessa não pensa em se casar antes de terminar o curso de professora que dura três anos. Tempo suficiente também para Zequinha dá um destino melhor na sua vida.

O tempo passa e Vanessa, bem sucedida na escola, já se encontra no final do segundo ano, faltando apenas um para concluir o curso. O namoro com Zequinha cada vez mais firme e ambos cada vez mais apaixonados. Zequinha trata então de construir sua própria casa na propriedade que já administra sozinho em razão da idade avançada do seu pai. Pretendem continuar morando no sítio depois do casamento. Constrói, sempre ouvindo as opiniões da mãe e da namorada, uma casa toda de tijolo, forrada de gesso e coberta de telha. Não muito grande, o suficiente para morarem. Estando no final do ano, o projeto de Zequinha e Vanessa era casarem no final do outro ano.

Ocorre que Zequinha atinge a idade de se alistar no Exército e o fazendo, por ter bom porte físico, é convocado para servir. Zequinha então assenta praça na Vila Militar de Socorro, onde vai servir como recruta no Batalhão de Caçadores. Seis meses depois, o Quartel General da Sétima Região Militar solicita que o aludido batalhão lhe encaminhe duzentos atiradores para reforçar a segurança do comando, pois havia rumores de uma revolta contra o Governo de Getúlio Vargas, iniciando-se pelo Nordeste. E Zequinha é transferido junto com mais duas centenas de soldados para o Quartel General.

Enquanto isso, Vanessa, com apoio de sua mãe, dona Pituca e sua tia Marluce, continua preparando seu enxoval para o casamento que não tem ainda data marcada, mas acontecerá depois da formatura de Vanessa, tempo também que Zequinha estará sendo dispensado do Exército e voltando às atividades normais no comando de sua propriedade. Marluce é tia de Vanessa por parte de mãe, é solteirona. Mesmo se tratando de uma mulher muito bonita, que outrora fora muito cobiçada pelos rapazes das redondezas e até da cidade de Vitória, não teve interesse em casamento; limitou-se a trabalhar como enfermeira do posto de saúde da vila, estudar e escrever poesias. Há quem comente que tem uma paixão recolhida, e é isso que a leva a escrever poemas recheados de saudosismo e desventura.

Completa-se dois meses da transferência do soldado Zequinha para o Quartel General e estamos na madrugada do dia 25 de novembro de 1935 quando uma conspiração liderada pelo comunista Carlos Prestes eclode no Rio Grande do Norte e Pernambuco, com a intenção de derrubar o Governo de Getúlio Vargas e com ajuda estrangeira implantar o regime comunista no Brasil. Trata-se da Intentona Comunista. Nessa madrugada um militar por nome de Gregório Bezerra assassina covardemente, quando dormiam, alguns militares do Corpo da Guarda da Sétima Região Militar. Ocorre que justamente neste dia Zequinha dormia no alojamento atacado pelo militar revolto e foi assassinado juntamente com os demais, sem nenhuma chance de defesa.

limavitoria
Enviado por limavitoria em 08/06/2008
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