ROSAS DE PEQUIM

Hilda ajeitava calmamente o vaso de crisântemos, para em seguida colocá-lo ao lado da cabeceira do pai. Assim era nas quartas-feiras. Nas quintas, tinha-se o vaso enfeitado com rosas brancas. Nas sextas, copos-de-leite. Aos sábados, gerânios. Nos domingos, tulipas. Segundas, logo pela manhã, lírios. E as terças pediam cravos. Girassóis para dias de chuva ou de tristezas profundas.

- Filha, você acredita em céu?

- Não sei dizer, pai...

O velho morria aos poucos, nos estertores, como o findar de corda de um relógio antigo. Sentia as debilidades do corpo aumentar progressivamente. No máximo um, dois meses... - pensava. Mas a teimosia daquele corpo o impressionava. Praticamente dois anos completados ali sobre o catre do hospital, entre idas e vindas, desde que foi constatada a irreversibilidade da doença. Não sentia raiva, apesar de incômodas as escaras supuradas. Apenas lamentava o trabalho dado à filha. Ela o amava. Noites a fio passadas ao lado dele revivendo histórias, infinitas lembranças da vida de aventuras do velho fotógrafo. Lembra que certa ocasião o pai pagou a bagatela de dez dólares a um camponês famélico por um vaso chinês da dinastia Ming, o qual atualmente abrigava as flores semanais.

- Filha, preciso te confessar! Mas antes quero que prometas que irá me perdoar por um ato desatinado que cometi no passado...

- Que ato, pai?

- Certa vez, quando estive no vale do Ganges, um velho feiticeiro hindu me fez uma proposta irrecusável...

- E que proposta foi essa?

- Ele me ofertou um elixir da imortalidade. Tomei uma cuia cheia. Por isso que ainda estou vivo...

- Bobo!

Ela sorriu. Ele contemplou sua face. Não dormia mais que duas horas por noite. Apenas sonhos, miragens. Lembrou-se de Ahmed, o beduíno, e de como era bom tomar leite de camela no frio amanhecer do deserto. Pela manhã, Hilda veio colocar os lírios frescos no vaso.

- Acho que já sei como é o céu...

- E como seria?

Apontou para o vaso chinês.

- Um jardim de lírios?

- Não... - pediu que ela lhe desse o vaso nas mãos. Com o indicador, ia contornando o desenho das minúsculas flores do vaso que compunham certa paisagem bucólica presente em algum lugar da China antiga.

- Um jardim de minúsculas flores chinesas... rosas cultivadas nos imensos jardins suspensos de Pequim!

Hilda veio com a sopa do jantar. O pai tinha dificuldade para engolir. Contudo, esforçava-se para não desapontá-la.

- Filha... quero girassóis amanhã!

- Por que razão? O senhor está triste?

- Nunca me senti tão bem!

A filha saiu do quarto. Mas ele sentia que não estava só. Talvez ali estivessem o espírito do beduíno Ahmed, ou Avinash, o menino hindu encantador de elefantes. Pela manhã, Hilda veio com o ramalhete de girassóis. Encontrou o pai morto, com um sorriso contemplativo no rosto. A janela estava aberta e por ela entrava um vento cortante. O vaso, caído ao chão, repartiu-se em fragmentos inconciliáveis. As flores da paisagem, todavia, restaram intactas.

* * *

Goiânia, 09 ago 2008.