Oceano



- O quê, camarada Simão! Não, muito difícil. Jamais alguém irá acreditar que a seiva do ódio, oferecida ao homem, vá torná-lo um apaixonado.

- Primeiro, Yasmim, porque tu ocultas uma possibilidade: — é que a ira deve extinguir-se após o sofrer, para que a paixão tenha o seu começo. O fim dessa ira é essencial. E segundo, à medida que mostras o exemplo da paixão, saiba que já realizei com ela um ensaio, e cheguei a experimentar uma emoção...

- Emoção de verdade?

- Levou-me ao futuro, ao fim de uma saudade, deixou-me na maior prosperidade: — a coisa do meu preceito. Que aconteceu comigo? Fiquei de coração partido; e o que te deu o mundo? A experiência, finalmente. Sim, Camarada Simão; esta é a pura verdade. Os subsídios característicos da paixão estão no fundo do coração, os dos doentes na cama, os dos valentes na coragem...

- Os dos cordatos na amabilidade, Simão interrompeu, de repente.

Não; a amabilidade é apenas um gesto, mas é boa, se pudéssemos entregá-la às pessoas, as ensinaríamos noções da bondade e o sentimento da alegria. Com o vôo de uma garça, arara ou jaburu, eu faço de ti um amor verdadeiro. O começo da amabilidade matrimonial encontra-se na rola, e o envaidecimento no pavão... Resumindo, Deus deu as aves, a profundeza do amor e ao homem capacidade de superação. As aves são o alfabeto, o homem a construção gramatical das coisas. Assim tenho pensado; isto é o que vou dizer ao mundo dos aflitos.
Simão balançou a cabeça, e olhou a água. Os peixes nadavam, em direção oposta, levando a idéia preciosa de dois matutos, que iam transmitir àquela sabedoria aos frutos da paixão verdadeira. Eram companheiros, solteiros já na curva dos sessenta. Desenvolviam, sobretudo, a filosofia, mas eram sabedores da verdade, da paixão, da emoção e da razão; um deles, o Sondiná, estudara ciências humanas, tendo lido várias obras do Gabriel Garcia Marques. Chile era a terra dos dois; porém, tão certo é que quase ninguém tem o reconhecimento merecido em sua terra natal antes da morte, O Chile não reconhecia a sabedoria de ambos. Ao contrário, ignorava-os; os meninos atingiam o extremo ao zombar deles. Não foi essa, no entanto, a razão que os levou a emigrarem-se. Um dia, Simão, retornando de uma turnê, chamou o companheiro para irem a Grécia, onde as artes e as literaturas eram devidamente probas. Heros aderiu, e entraram. Só agora, depois de estar viajando, é que o autor da nova idéia resolveu expô-la ao companheiro, com todas as suas mais novas reflexões e experimentos.
- Tá ok, disse Simão, erguendo a cabeça, não opino sobre o assunto. Vou estudar a idéia, e se a achar apropriada, estarei pronto a enriquecer e difundi-la.
- Salve Deus do Sol! Exclamou Heros tu és mesmo meu aluno.
R J Cardoso
Enviado por R J Cardoso em 11/09/2008
Reeditado em 12/09/2008
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