UNS E OUTROS

- Liguei pra ele, ontem.

- Pro nosso irmão? E aí?

- Nem tocou no assunto.

- Não comentou nada?

- Não. Nada. Tô te falando, nem tocou no assunto.

- Não acredito! Não é possível que ele tenha esquecido a data de aniversário do próprio pai...

- Pois é. Pelo jeito, esqueceu. Ele falou dos filhos, do resultado dos exames, da faculdade da mulher...

- Aquela enjoada.

- ... Do time de futebol, do carro que já começou a dar problemas...

- Mas o carro não é novo?

- Pois é, compraram outro dia mesmo. Mas do aniversário do pai ele não disse nada. Nenhum comentário. Parece que não é com ele.

- Esqueceu, pode crer.

- E você lembra, quando o pai era vivo, como ele vivia lá? Almoçavam juntos, faziam churrasco, discutiam política, contavam piadas, batiam fotografias. Faziam até confidências, um com outro. Hoje, nem toca mais no assunto.

- Pois é, agora nem lembra mais do aniversário do coitado.

- Esse ano faz sete anos que o pai morreu, e ele foi no cemitério, o quê? Duas vezes, nesses anos todos?

- Por aí. E olha, da última vez eu estava junto, e não vi nem ele chorar. Pelo contrário, estava cheio de pressa de ir embora. Devia ser por causa do jogo do time dele, que ia passar na televisão.

- Absurdo. Coitado é de quem morre.

- Com certeza, com certeza. Porque quem fica, meu bem, esquece.

- Capaz de não se lembrar nem o dia da morte do próprio pai.

- Não duvido, do jeito que ele é desligado pra essas coisas.

- Mas era o pai dele, pô! Será que isso se esquece assim? E ele nunca foi assim, tão... desligado da família.

- Paciência, as pessoas mudam.

- Vem cá, ele não ia fazer uns exames, parece que de sangue?

- Acho que sim... um negócio aí de rim. E é bom ele tomar cuidado, porque com o nosso pai começou exatamente assim. Mas talvez ele nem lembre.

- Mas você não perguntou da saúde dele?

- Não.

- E os filhos dele, como vão?

- Bem, eu acho. Esqueci de perguntar. Ah, mas ontem também eu estava tão chateada por causa do dia do aniversário do pai, que eu não estava com cabeça pra perguntar essas coisas.

- É que a gente lembra, né? E a dor a gente não esquece.

- Ô. Eu que sei.

- Só você não, minha filha, eu também não esqueço do nosso pai. Sempre me lembro dele.

- Ao contrário de uns e outros...

- Ao contrário de uns e outros.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 15/09/2008
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