Paixão de Maria, Amor de Madalena

José tinha trinta e nove anos, era viúvo e pai de Sansão, de treze. O nascimento do menino significara a morte da mãe e quase a sua própria. José orara toda a noite, pedindo a sua recém-falecida esposa que o bebê não tivesse a mesma sorte. Como promessa, não cortaria o cabelo de Sansão até seus dezoito anos. Aquele milagre fizera da morta uma santa para a comunidade em que vivera, e seu filho cresceria ouvindo:

— Graças a tua mãe tu estás vivo. Ela é uma santa.

Mariana tinha vinte anos quando foi trabalhar na casa de José. Cabelos negros e ondulados e pele de uma casta alvura, era uma figura misteriosa. À primeira vista parecia uma santa para alguns, para outros uma libertina. Estes mudavam de opinião quando a conheciam de perto, passando a achá-la uma mulher pura, enquanto aqueles passavam a vê-la como uma vadia.

Os primeiros dias de trabalho mostraram uma moça dedicada. José gostou muito dela e arrumou-lhe um quarto confortável. Porém, a Sansão era estranho ter uma pessoa nova em casa.

Um dia, depois de um mês da chegada dela, José chamou o garoto à sala.

— Meu filho, vem cá um instante. Quero te comunicar uma decisão.

Sansão foi até seu pai. Do outro lado da sala estava Mariana, varrendo o chão, sorridente. Dava-lhe medo o modo como ela olhava para ele.

— Acho que vou me casar com Mariana. Tu precisas duma mãe. Esta mulher é uma santa.

Sansão não conseguia concordar. Mariana lhe era muito estranha. Ela se dava muito bem com ele, mas não ele com ela.

Certa meia-noite entrou no quarto dele.

— Ainda não terminaste o serviço de hoje? — perguntou o rapaz, ainda desperto.

— Não.

Seguiu-se um silêncio de perplexidade para Sansão. Mariana estava imóvel, encostada à porta, vestida, como sempre, com uma blusa branca e uma saia preta. Os cabelos em coque, como costumava deixá-los. O olhar ambíguo, que para alguns era infantilmente irônico, para outros perverso, fitava Sansão de um modo desconcertante.

— Deixa para terminar amanhã.

— Tenho que fazê-lo agora.

Ele se sentia um pouco intimidado pela expressão dos olhos e da voz dela.

— Então termina logo.

Fechando a porta atrás de si, ela soltou os cabelos. Dando um passo em direção a Sansão, tirou a blusa, mostrando os seios brancos. Vendo-o se levantar da cama, confuso, abaixou a saia preta, a mostrar sua completa nudez.

Sansão não sabia o que fazer. Queria dizer que terminasse logo seu trabalho, mas estava estupefato. Tentou impedi-la de o despir, mas cedeu à curiosidade.

— Quero que me ames — disse-lhe ela.

Depois de o ter completamente despido, abraçou-se a ele, fazendo-o sentir em todo o corpo uma embriaguez que não podia comparar a nada que sentira antes. Ela o deitou na cama e o felou. Doce, meiga e serena, para ele seu semblante era agora o de uma santa, uma Mãe que dá graça. No regozijo de uma comunhão, estava passivo e indefeso, como à mercê duma bruxa. Mas ali não estava Lilith, e sim Maria Santíssima, que lhe pedia:

— Quero que me ames.

Ela se pôs em cima dele e uniu seu corpo à carne do menino, tão pura e deliciosa, tão misteriosa e maternal.

— Tu me amas?

— Eu te amo! — murmurou emocionado e apaixonado, a sorrir e a chorar.

Sansão não conseguiu discernir se passara a noite sonhando. De fato, a partir do momento em que estava amando Mariana, durante todo o tempo em que passou ao lado dela na cama, até o amanhecer, não podia dizer a si mesmo se aquilo tinha sido um sonho. No entanto, tinha os sentidos bem despertos e a noite parecera bem real.

— São cinco horas. Tenho que começar o serviço de hoje.

— Tu virás hoje à noite?

— Há muito o que fazer hoje.

Ao café da manhã, Sansão tinha a felicidade no semblante. Mariana mantinha a mesma luz nos olhos. José parecia conter alguma raiva, e não conseguia disfarçar uma irritação com Mariana. O garoto não percebia nada de mais e ingenuamente perguntou — tinha que saber:

— Ainda vais te casar com Mariana, papai?

Mariana estatelou um momento, enquanto ainda servia a mesa. José se levantou num ímpeto. Seu gesto parecia uma punhalada, como se quisesse matar alguém.

— Vou passar o dia fora! — grunhiu enquanto vestia o casaco e saía pela porta da frente.

Depois do almoço, Mariana chamou Sansão à sala de visitas, segurando uma tesoura.

— Senta-te.

— Que vais fazer com essa tesoura?

— Vou cortar teus cabelos.

— Papai disse que não posso cortá-los até que minha mãe venha exigir a promessa.

— E quem tu pensas que eu sou?

Ele estava um tanto nervoso. Então Mariana iria mesmo se casar com seu pai! Sansão a amava, estava apaixonado por ela, queria ser seu marido. Ao mesmo tempo, uma alegria se manifestava em seu íntimo, pois sentia em Mariana a mãe que nunca tivera. Mas sua inquietação cedeu ao prazer das mãos de Mariana sobre sua cabeça. Acabou dormindo na cadeira.

Despertou com berros de seu pai e a voz de Mariana. Numa discussão horrível, Sansão ouvia alusões reprovadoras de José à noite passada e ao corte dos cabelos à tarde. Para além da perturbação, o rapaz sorria interiormente: seu pai não mais queria Mariana; agora ela seria sua.

Quando se levantou para ir ao seu quarto, a discussão acabara. Passando à frente do aposento de Mariana, viu que esta fazia suas malas.

— Que estás fazemdo?

— Vou-me embora. Teu pai me despediu.

— Mas quero me casar contigo…

— Não digas bobagem.

Ele estava muito confuso, não sabia o que realmente queria dizer, pois não entendia com certeza o que sentia, nem o que desejava.

— Eu te amo.

— Não sejas tolo!

Sansão a contemplou, incapaz de falar coisa alguma, só conseguindo dizer através de lágrimas o que estava sentindo. Correu para o quarto e se trancou, pondo-se a chorar como se tivesse perdido uma parte de sua alma, como se estivesse presenciando o falecimento de sua mãe.

Quando enfim se levantou, sem forças mais para chorar, olhou-se no espelho e viu outra pessoa que não a que tinha sido até então.

— Apesar de tudo… eu não sei se vou amar como te amei. Não és Dalila. Sempre serás Maria… Mariana, minha mãe.

Dirigiu-se lentamente à sala onde estava seu pai. Este olhava pela janela o sol poente e a moça a ir-se embora. Para Sansão, aquela cena era a mais triste que já vira.

— Esse menino me tirou a esposa e agora me impede de casar de novo — disse José em baixo tom, mas para se fazer entendido por Sansão. — Prostituta! — murmurou, não se querendo fazer ouvido pelo menino. Mas este o ouviu muito bem, só vindo a compreender aquilo muitos anos depois.

* * *

Sansão se tornou padre. Filho de santa, era muito conveniente, na opinião da comunidade, para a qual se tornou bastante popular. Filho de rainha é príncipe.

Um exemplo perfeito de homem, servo de Deus, fiel a Jesus e intercessor do Espírito Santo. Não tinha o menor vício e sabia como fazer o povo ouvir o que queria ouvir. Gentil e paternal, era amado por todos.

Certa tarde, recebeu uma velha senhora que vinha se confessar.

— Perdoa-me, padre. Pequei.

O peito do padre Sansão bateu com força contra sua alma. Extasiado, sabia de quem era aquela voz, mesmo modificada pelo tempo. Baixou a cabeça contra as mãos, chorando a angústia de muitos anos. Ele voluntariamente se entregava à sua fraqueza.

Não ouviu uma palavra do que ela disse, mas deleitou-se com a doce voz do amor. Amor que só existia em seu peito. Amor que explodia em sua língua:

— Mariana, minha Deusa, por que me abandonaste?!

A igreja ficou silenciosa. Quando olhou, Sansão não viu mais ninguém. Já o sol se punha, e era hora de fechar o templo.

Raramente o padre Sansão jantava sozinho. Mas esta noite não quis receber nenhuma visita. Jantou na companhia de suas mágoas. Pensou que aquele encontro represetara uma repercursão que não esperava, apesar de ter se preparado durante toda a sua vida para ele. Não deveria deixar aquilo o incomodar. Mariana não estava mais viva para ele. Ela já se tinha tornado uma divindade, um anjo, uma santa.

Ao entrar em seu quarto, trancou a porta e acendeu uma das lâmpadas, que fazia visível, na escuridão do recinto, uma imagem em tamanho humano da Senhora Virgem Maria, posta numa reentrância na parede e protegida por um vidro.

Fitou bem o rosto da santa e admirou a estátua com devoção. Procurou por uma chave no molho, para abrir o cadeado que encerrava a imagem. Curvou-se e beijou seus pés, e então contemplou as magníficas vestes de cores celestiais, que escondiam o imaculado corpo. É que não era uma estátua de pedra, mas uma boneca de cerâmica vestida com roupas de verdade. Estas ele retirou com calma, dobrando-as com cuidado e guardando-as num baú. Deste, retirou uma peruca preta, ondulada, e a pôs sobre a cabeça da boneca branca e de formas voluptuosas.

Depois de se desnudar por completo, mirou-se no espelho a olhar o Sagrado Coração de Jesus tatuado à direita no peito. Ainda admirou um quadro que tinha na parede à sua frente e que retratava uma mulher vestida de branco e preto a caminhar em direção ao pôr-do-sol. Uma lágrima escorreu de seu olho esquerdo.

Retirou de uma gaveta da penteadeira duas luvas de pano e uma máscara, todas pretas. Com as quais cobriu as mãos e a cabeça, deixando os olhos nus para contemplar o ídolo, em direção do qual se virou, ajoelhando-se a um metro. Maravilhou-se com a imagem de Lilith, Eva, Maria e Madalena num só ícone e, como fazia todas as noites, se masturbou.

Thiago Leite
Enviado por Thiago Leite em 19/04/2005
Código do texto: T12077