Paixão

Sua fúria era imensa. Mas não a descarregava sobre as coisas que havia ao seu redor, senão sobre a imagem das coisas impressa em suas retinas. Dava punhaladas, chutes, escancarava a boca como que a gritar, mas sem emitir um som. Ao seu redor, todos temiam uma grande bagunça vinda de seus movimentos bruscos. Ele golpeava objetos, vasos, cadeiras, mesas, quadros, mas não os tocava.

Entre aqueles que arregalavam os olhos e cochichavam sobre o extravagante, estava um jovem de ca-belos louros e cacheados, a confabular, com um sorriso irônico, ao ouvido de uma moça também loura. Am-bos esperavam o trem, sentados em bancos de espera, e o moço visivelmente a flertava. A raiva e as pernas do furioso se dirigiram para o jovem casal, o que assustou o louro e o fez se afastar medrosa e rapidamente. Tão rapidamente quanto o estranho rapaz se sentou ao lado da loura e beijou-lhe a boca, os olhos dela arre-galados de surpresa e confusão.

Ele se levantou, e parecia totalmente arrefecida sua paixão. Nenhum músculo seu estava agora tenso ou nervoso. Ouvindo o fraco pranto da moça ao seu lado, sentou-se, exausto, novamente no banco vizinho ao dela. Ela tinha um rosto severo, nariz comprido no vertical mas curto horizontalmente, pele clara mas de tez viva, cabelos chegando aos ombros, olhos castanho-claro e rasos d'água. As lágrimas brilhavam à luz de lâmpadas fluorescentes.

— Você é linda — disse-lhe baixinho. — Muito linda.

Aproximou sua boca da dela e beijaram-se. O sabor do beijo dela era doce como o amor e amargo co-mo a morte. Ao afastarem os lábios um do outro, cuspiu ele as lágrimas dela, que lhe entraram na boca du-rante o ósculo.

Thiago Leite
Enviado por Thiago Leite em 19/04/2005
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