OBCESSÃO MATEMÁTICA

Havia um professor de Matemática no Colégio Cenecista considerado pelos alunos como um gênio, pela sua maneira de esninar e pela facilidade com que os alunos aprendiam. Alunos que não gostavam de matemática quando estudavam com ele passavam a se interessar pela matéria. Suas aulas eram bastante comentadas entre os alunos. Às vezes, certos alunos filavam aulas de outras disciplinas para assistir às aulas do professor Antônio Trajano.

Por coincidência, o nosso professor tinha o mesmo nome de um dos nossos primeiros matemáticos brasileiros: professor Antônio Trajano autor dos primeiros compêndios da Aritmética Primária,da Aritmética Elementar, da Aritmética Progressiva e Álgebra Elementar publicadas no Brasil.

As aulas do professor Trajano eram bastante animadas, interessantes e atrativas. Ele levava para a sala de aula trena, barbante, compasso, esquadros, transferidor, ábaco, tabuleiro de xadrez e outros instrumentos didáticos, confeccionados por ele mesmo. A sua metodologia consistia em contar estórias, anedotas, sentenças filosóficas, brincadeiras e textos empregando cálculos matemáticos, dentro do conteúdo programático da disciplina. Ele era bastante procurado por alunos que estudavam em outros colégios para orientação de matemática, por ex-alunos para conferir gabarito e resolver questões de provas em matemática, que havia sido aplicadas na Escola Técnica Federal da Bahia e nos vestibulares da Universidade Federal e Católica.

Professor Trajano tinha uma vida dedicada exclusivamente ao ensino. Aos sábados juntamente com outro colega professor de Língua Portuguesa; ministravam aulas dessas duas disciplinas para os alunos que iriam prestar exames na Escola Técnica Federal da Bahia. E, quando se aproximavam os exames, ministravam aulas aos domingos pela manhã.

Trajano mantinha em sua casa, na parte de cima um Curso de Matemática, denominado de Logarítimo, com funcionamento em três dias da semana, no turno da noite. O curso era para quem pretendia aprender matemática. Funcionava da seguinte maneira: o interessado matriculava-se gratuitamente no curso. Assistia às aulas durante uma semana, caso não gostasse, não pagaria; caso gostasse e desejasse continuar no curso, pagaria.

O nosso professor tinha quase seus cinqüenta anos, usava óculos de lentes grossas, bigode e cabelos grisalhos, de cor branca, estatura média e peso corresopondente à altura, sua voz era quase rouca, possuía um físico quase avantajado. O seu esporte predileto era jogar xadrez com a esposa. O seu fanatismo pela Matemática era tanto que os seus três filhos menores de idade tinham o nome de matemáticos gregos: Pitágoras, Euclides e Tales de Mileto, cursavam o curso primário - hoje ensino fundamental, 3ª, 3ª e 4ª séries, respectivamente. A sua gata angorá chama-se hipotenusa, o seu cachorro cateto e o seu papagaio teorema.

Na sua primneira aula do dia tinha o hábito de sempre fazer uma oração com a classe em pé. Eis uma de suas orações:

Senhor, eis a nossa súplica:

Oh Deus! Matemático do Universo,

Criaste a nossa misteriosa vida,

Como um complicado jogo de xadrez.

Criastes os números para reger o Universo,

Diante dessas complicadas premissas,

Faz-nos tudo calcular com honradez.

Somando ou multiplicando as boas ações,

Faz-nos praticar com os nossos irmãos,

Para que possamos viver com lucidez.

Ilumina-nos a diminuir as más ações,

Faz-nos perdoar os débitos do próximo,

Como Cristo nos ensinou e recomendou

Ajuda-nos a entender a nossa vida,

Para dividir nossa felicidade com o próximo,

E com Cristo, e em Cristo ficarmos mais próximo.

Ajuda-nos a entender o teorema da vida,

As equações da vida com total razão,

Para termos uma prática e líquida solução.

Dai-nos forças para renovar nossas súplicas,

Para somar e multiplicar o nosso amor,

E sermos dgnos de um encontro contigo.

Assim seja... Oh grande Matemático do Universo!

O boato que circulava no Cenecista entre sues alunos era de que os seus três filhos eram uma sumidade em Matemática. Na escola onde estudavam, só tiravam a nota máxima em Matemática. As crianças resolviam quaisquer problemas de fração, raiz quadrada, equação e já dominavam algum conhecimento de álgebra. No entanto, eram péssimos estudantes nas disciplinas, Português, História, Geografia e Ciências. Escreviam errado, liam sem pontuação. Enfim, tinham aversão e dificuldades em aprender Português.

Vera, a professora da 3ª série de Pitágoras e Euclides, juntamente com Rosa, professora da 4ª série de Tales de Mileto, resolveram convocar o professor Trajano, com a finalidade de tentar um meio de fazer com que as crianças esquecessem um pouco mais de Matemática e melhorassem a aprendizagem nas outras disciplinas.

Professora Judite, diretora da escola O Mundo Encantado, e as duas professoras dos filhos do matemático, reunidas na sala de diretoria, apresentaram-lhe os boletins de rendimento da aprendizagem das crianças.

A professora Vera com os boletins em mãos disse para o matemático:

- Professor Trajano, observe o boletim de Pitágoras, 10 (dez) em Matemática; 1,5 (um e meio) em Português; 3,0 (três) em História; 2,5 (dois e meio) em Geografia; 4,5 (quatro e meio) em Ciências. Vamos ver agora o boletim de Euclides: 10 (dez) em Matemática; 3,0 (três) em Português; 2,0 (dois) em Geografia; 1,0 (um) em História; 5,5 (cinco e meio) em Ciências.

Completando a fala da professora Vera, a professora Rosa disse:

- O Boletim de Tales de Mileto apresenta os seguintes resultados: 10 (dez) em Matemática; 2,0 (dois) em Português; 2,0 (dois) em Geografia; 1,0 (um) em História; 5,5 (cinco e meio) em Ciências.

A diretora da escola, professora Judite deu a seguinte sugestão:

- Professor Trajano, diante destes resultados e das observações que freqüentemente estamos fazendo, achamos que as crianças estão com fixação matemática. Confessamos ao senhor que já tentamos todos os recursos didáticos e não tivemos êxito. O que o senhor acha de consultar um especialista no assunto, um psicopedagogo, por exemplo?

- Estou muito grato, professoras, pelas observações e recomendações que as senhoras fizeram a respeito do rendimento escolar dos meus filhos. Eu acho que as sugestões de vocês são as mais bem acertadas. Acredito que seja o melhor caminho. Amanhã mesmo vou levá-los a uma clínica especializada em psicologia educacional.

No dia seguinte, o matemático, acatando a sugestão da diretora e das professoras, pegou as três crianças, colocu-as no carro e levou-as para a clínica.

O psicopedagogo conversou com o pai e depois com as crianças. Passaram a manhã inteira fazendo entrevistas e baterias de testes. Quando concluíram os exames, o psicopedagogo marcou para dentro de três dias fornecer os resultados.

Passados os três dias, o matemático, ansioso, dirigiu-se ao consultório do psicopedagogo, e lá o especialista fez uma série de recomendações:

- Professor Trajano, os seus filhos, na verdade, têm um QI acima da média. Entretanto, apresentam impulsos interiores para resolver cálculos matemáticos. É uma mania, uma espécie de fixação influenciada pela personalidade paterna e o ambiente em que vivem. O ambiente deles faz com que eles só falem de matemática, respirem a matemática, sonhem com matemática, pensem em matemática. O que tenho a lhe recomendar é o seguinte: Impeça deles assistirem suas aulas em casa. Se for possível acabe com o curso em sua residência, transferindo para outro local, um pouco distante da sua casa. Evite comprar brinquedos voltados exclusivamente para a lógica matemática, pois eles já possuem em excesso. Faça com que seus filhos vivam como crianças. Compre jogos educativos voltados para conhecimentos gerais e livros de estórias infantis para seus filhos. Costume contar estórias infantis para eles à noite antes deles irem para a cama, em vez do senhor ficar dando aula à noite nos seus dias de folga. Em nenhuma hipótese, quando você contar estórias, faça alusão ou denominações de elementos matemáticos. Você pode comprar livros de estórias que eles vão adorar, pois, já são clássicos para o público infantil, como Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, A Bela Adormecida, etc. Estes são os remédios excelentes para os seus filhos.

- Muito obrigado Dr. Paulo, pela sua sábia orientação. Agora, já sei como proceder corretamente...

Chegando em casa, fez mil e uma recomendações a esposa, também professora de Matemática, para seguir à risca os procedimentos no trato com os filhos, conforme orientação do posicopedagogo.

Saindo do consultório, o matemático foi a uma livraria e comprou diversos livros de estórias infantis.

No início da noite, o matemático bastante humorado reuniu a criançada e passou a fazer a seguinte narrativa:

- Queridos filhos maravilhosos. Hoje, papai vai contar para vocês uma estória muito interessante, divertida e emocionante. É a estória dos "Tres Porquinhos". Era uma vez "Três Porquinhos" chamados respectivamente "P1", "P2" e "P3". Eles moravam em uma casinha situada em um ponto "x", de número 33...

EVERALDO CERQUEIRA
Enviado por EVERALDO CERQUEIRA em 15/03/2006
Reeditado em 15/03/2006
Código do texto: T123489