Viagem Virtual

Não existem distâncias para que a magia aconteça.

Dois autores separados por mais de três mil milhas de Mar

escrevem em parceria

Viagem virtual

Deixara para trás a costa portuguesa havia 17 dias.

O Gaivota, o meu pequeno veleiro de 12 metros, mostrara-se eficaz na travessia Atlântica, com ventos favoráveis de norte e nordeste que, felizmente, não tinham excedido as trinta nós. Alguma ondulação de três a quatro metros ao largo da Ilha da Madeira ainda me havia perturbado um pouco o andamento, mas nada que assustasse.

Há já uma semana que uma suave brisa e um mar chão permitem ao Gaivota deslizar em mar aberto e a todo-o-pano, a uma velocidade constante que ronda as doze milhas; o que é muito bom para uma embarcação pesada, de madeira, e com um razoável calado para o seu tamanho, mas que se explica pela excedente saída de água conseguida pelo desenho esguio do barco e pela pintura recente.

Desci ontem para ver o lastro e se havia qualquer entrada de água no casco; continua tudo bem, o que prova que a última calafetagem foi bem feita. Também, cara como foi! - É que hoje em dia há poucos profissionais desta arte. Já quase só se constrói em fibra e, nesse material, as técnicas de manutenção e recuperação são bastante diferentes.

Avisto, agora, ainda longe, a Ilha de Fernando Noronha, uma beleza tropical declarada área protegida pelo governo Brasileiro. Diz-se que o mergulho ali é controlado e previamente autorizado. Por isso a fauna e flora aquáticas devem estar no apogeu e deve ser uma maravilha lá mergulhar.

Mas nem vou parar. Tenho viveres que cheguem e vou aproveitar a brisa para continuar até ao Rio de Janeiro. O amor dá-me pressa…

Algo me toma, como uma atracção, como uma energia a atraír a minha embarcação numa direcção precisa que nem eu mesmo conheço. Deixo que a corrente do mar se encarregue deste meu destino. Um pouco mais próximo da costa, apenas sigo admirando as belezas naturais. Posso ver a fauna marinha abaixo de mim; cardumes de peixes, corais, a transparência que transmite frescura aos meus olhos. De repente....

...Um pouco mais a frente, golfinhos saltam como a brincar entre eles. Talvez tentem avisar-me que estou na rota certa. A beleza deles é fascinante. Dizem até que se relacionam por amor, são fieis quando macho e fêmea se envolvem. Seriam eles símbolos desse sentimento? Quem sabe…

Continua a corrente a levar-me como que por desígnio e eu penso se, ao chegar, saberei o que procuro! - O que posso fazer é esperar a hora da chegada.

O dia está por terminar. Sento-me numa cadeira de descanso perto da cabine, fito o horizonte e tenho a minha frente o mais lindo pôr do sol. Já o tinha admirado em fotos, mas fazer parte dele enche-me o peito de vida. O fraco calor do sol já adormecendo, a brisa morna que me toca, uma ou outra gaivota a aproveitar uma camada de ar quente para planar e aproveitar aquela tela natural pintada por Deus.

Quando a noite caiu, entrei na cabine, fiz uma refeição leve, revi algumas rotas nas cartas de navegação; tudo seguia bem. Deitei-me e pus-me a ler um livro para passar o tempo, mas acho que nem cheguei a começar; adormeci. Acordei com o ele sobre meu peito e nem mesmo lembro de haver lido algum trecho daquela página.

(Passaram-se dias naquele mesmo quotidiano, e eu apenas a pensar no coração que me esperava)

A cada dia sinto-me mais próximo; a sensação do ponto de chegada cada vez mais presente. Meu Deus! Seria eu louco, a desbravar um oceano nesse buscar que o meu coração tanto pediu?

Corro as cartas, faço cálculos e, de volta ao convés, vem-me a certeza que aquela terra que avisto é o meu porto. A vejo como de braços abertos a me receber. A euforia toma-me, por completo. Cardumes, aves marinhas, o vento, todos a receber-me, avisando que a minha viagem estava ponto de terminar em questão de algumas horas.

Baixei as velas, âncora ao mar, meu bote pronto para me levar as margens daquela terra. O coração não consegue manter um ritmo normal, ele bate em ritmo acelerado, quando, já mais próximo daquela praia, vislumbro alguém à minha espera, olhando atentamente o meu bote, com as mãos em pala sobre os olhos. Eu vejo-a ali, parada, o seu corpo expressando a certeza que aquele que esperava sou eu.

Já bem próximo, desligo o pequeno motor do bote e deixo que a corrente e as ondas me levem, até que posso saltar e pisar terra.

Aquele mar brasileiro, parecia ter cumprido a sua missão. - Caminho em direcção a ela e podemos sentir ambos que ali se concretizam os nossos sonhos. Tomo-a nos meus braços, olhamo-nos como se nos fotografássemos um ao outro. E, entre as poucas palavras proferidas, trocámos um longo beijo.

Naquele beijo, todas as palavras foram ditas. E o amor aconteceu!

Eugénio de Sá

em parceria com Anna Müller

Anna Müller
Enviado por Anna Müller em 18/04/2006
Código do texto: T140941