VOU-TE FAZER...

(Resposta ao texto "Vou-te fazer..." de Francisco Coimbra - vidé pág. do autor - contos)

O quê?... Pensou ela, com um brilho de volúpia nos olhos. Pensou ele: (vou-te fazer) a partida. "Uma espécie de filosofia", não te deixará indiferente; "rapariga", mobiliza-te de certeza; "inteligente", não vais resistir; "romântica", pega sempre. O "determinismo" fica a pairar. Porque, sendo tu inquiridora, racional e dialéctica, terias de escrever pelo menos 3 parágrafos para me questionar, o que bastaria para não me deixar descalço ou de calças na mão... Mas não sei se estás para isso...

Mas, como as coisas são o querer com que se fazem e eu sou irresistível, já te vejo de caneta na mão, porque sei que sempre preferes o toque do papel para as grandes empreitadas e como escrever para mim não é fácil (ai este "ego")…

- Pois bem, podes gritar "bingo", acertaste, vem buscar o prémio, talvez de desconsolação.

Metódica e organizada, "taco a taco", que não sou de levar desaforo para casa, tentarei seguir os motes deixando o mínimo de lacunas e tentando organizar a tua desorganização romanesca (provavelmente a que te dá a genialidade que eu não tenho). Como eu invejo os comentários rápidos e com(sisos) com que te privilegiam os fãs da tua escrita... Eles/as entendem tudo de imediato, como te compreendem... Oh! (des)afortunado escritor tão transparente...

Pudesse eu deixar de procurar nas entrelinhas a transcendência do óbvio... Mas não! Sou lenta, mesmo! E o óbvio sem a ideia mascarada não me motiva... Não é o teu caso! Até porque nem sempre uma grande mulher está por detrás de um grande homem! (ou estará?…) Eu, que até sou mulher pequena, desfaço aqui o teu fazer, pois, negando a frieza dos números (que ele há números bem quentes!), prefiro ficar-me pela frente ou, se possível, por cima, senão ninguém me vê. Não tenho "ego" de aparição que me faz lembrar almas do outro mundo, é mais "ego" de aparador(a), onde os "bibelots" maneirinhos passam a perna aos grandes e saltam-lhes para a frente. E porque a "comida"(ela) faz parte desta sociedade (in)alterada, só pode vir a alterar os dados do problema, ao tornar a história mais interessante, desproblematizando o problemático. Espírito de contradição? Não! A outra face da moeda com que se paga uma filosofia, não antagónica mas complementar, a integrar a primitiva como derivante integradora.

A narradora - aqui esta - tem uma falha tectónica na estrutura mental, onde as palavras mergulham e se multiplicam, não aleatoriamente, mas alienadamente, o que a faz necessitar de um "bom tempo" para evitar tremores encefálicos que prejudiquem a reprodução satisfatória das ditas. Daí a hesitação em pegar no instrumento escrevinhador e deixar os vários coitos literários a meio ou apenas imersos no leito da imaginação. O poema, o seu parceiro preferido porque mais imediato, não isentado, contudo, do controle perfeccionista. Raramente dramático, dado que a poetisa em uníssono com a mulher positivista, sempre lhe dá a volta por cima.

Prevejo que sem dramatismo e sem poesia e pelo andamento em que me vejo arrastada, daqui não sairá uma história simples, uma vez que nem escritor nem leitora são entidades simples e, muito menos, simplórias. O que fica muito pior, quando leitora e escritor trocam de papéis, num "travesti" que, por estimulante, acaba rondando o erótico, nesse abraço indefinido dele e dela. Verdade seja dita, que aqui a representação é facilitada pelas "deixas", confirmando que em qualquer caso amoroso, como este entre neurónios, a sinopse ressalta da cumplicidade de, pelo menos, 2 parceiros (sinapses) que jogam à distância um aprazível "to play" entre reticências e frases de duplo sentido onde as ideias mudas dão à peça o fundo sonoro apetecível. E lá vem a poetisa importunar-me (já tardava) lembrando-me o poema a que chamou "Uma peça sem nome".

“No palco /estrutura frágil!/ montada sobre alicerces de vidro/ um homem e uma mulher/ discutem/ num antagonismo cortante/ a eterna disparidade dos seres!/……./……“et caetera”, “et caetera”. Mando-a embora! Agora estou divertida a brincar de prosadora. E, esforçando-me por separar as águas, para não cair no afogamento das ideias, retomo o fio, talvez já um pouco molhado, e ato o método (agora lembrei Descartes), a fim de poder (cândida)tar-me a musa (preferível a alcalóide, que é nome de macho) capaz de transmitir substância ao sonho (mal) alimentado. Mas eis que me cai agora no colo o escritor com o seu fio ainda não molhado em riste, trazendo na ponta a sua concepção sobre o amor. Droga e reacção química… deu para sentir. Esqueceu-se, na pressa, das feromonas, da atracção das auras, do inexplicável e do imprevisível, apenas para citar alguns dos intervenientes nessa poção mágica. Amor, tema/mosca que já me fez devanear e distrair deste (im)possível conto, puxando-me a rede para obrigar-me a um salto no escuro. Mato a mosca e retomo a sedução de continuar a ler o escritor e de escrever o que ele lerá, esperando que ele se venha a reler e a ler-me e, posteriormente (dado que a distância não permite a sincronia), que eu me venha a reler e a lê-lo.

Como é fácil de entender, se os nossos contos, tal como os ex-assim-chamados, tivessem também passado a chamar-se euros, eu não estaria ainda aqui, neste misto prazer/angústia, a querer escrever o conto com que tu contavas, mas sim a contar euros, com que não contamos eu e tu, pelo contar deste conto.

Resta-me, na aventura desta gravidez, o "vou-te fazer" a possível companhia, aguardando a lua exacta para o parto. Deixando as condições extrínsecas ao devir... convém sempre não perder de vista a pior hipótese em qualquer romance... nado morto!

2/5/2005

C.V.

Carmo Vasconcelos
Enviado por Carmo Vasconcelos em 03/05/2005
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