BRASIL - ANO DE 2020

BRASIL - ANO DE 2020

Flavio MPinto

Manhã fria de julho na EEF Laranjeiras- bairro Triunfo-Porto Alegre-RS- sala da diretora.

Esterlina, professora de História, estava com problemas: seu melhor aluno, Joape, reconhecidamente um superdotado, passou a contestá-la cada vez mais, chegando ao ponto de quase assumir o comando da sala de aula durante uma aula de História do Brasil.

-Esses garotos de hoje, com Internet à disposição, se acham os tais. Logo comigo que ensino que os jovens devem ser críticos...essa não...

Levou o caso á diretora Cronolândia e esta, pelo que lhe foi transmitido, proporia a exclusão do garoto ao Setor de Educação do partido por não adaptação ao método de ensino.

Quando a família foi notificada, o avô de Joape compareceu á escola para inteirar-se da motivação.

Esterlina, muito nervosa, alegou em altos brados, que Joape a havia desafiado e disse que( ela) havia claramente mentido durante a apresentação de tema alusivo a um período histórico e no entanto, apresentou um trabalho eivado de erros, tendo que lhe dar nota zero.

- Mas o que ele contestou, professora? A senhora poderia melhor se explicar? Fala o avô.

- Pois bem, na redação, e também em aula, ele escreveu que Che Guevara era um bandido, um assassino e siquer deveria ter sido citado por mim como herói. Um facínora, escreveu com todas as letras e isso me chocou. Uma pessoa tão bondosa tratada assim. Disse ainda que não deveríamos comemorar a revolução cubana por ela não ser no nosso país e que não deveríamos hastear bandeiras daquele país irmão. Escreveu ainda, no âmago de suas contestações, que o regime militar despótico que governou o Brasil não matou nem torturou milhões de pessoas. Quanta inverdade. Chegou ao ponto de escrever que toda infraestrutura que hoje temos foi construída naquele período trágico e sanguinolento para o país. Tudo, tudo, consta dos livros que recomendei e ele jamais seguiu. O que ele tem é de aprender o que é transmitido e não contestar. Mas logo comigo acontecem essas coisas. Ah, ia esquecendo, outro dia ele se referiu a pessoas insignificantes em termos históricos como Caxias, D.Pedro I e II, Rui Barbosa, Mauá e outros, é que deveriam ser nossos heróis e não Fidel, Mao, Pol Pot. E tu, como avô, deveria se preocupar em mostrar ao neto que deveria seguir o que os professores ensinam.

Nesta altura, Crísio resolveu se manifestar.

- Professora, como a senhora sabe, conhecimento não vem só dos livros didáticos ou paradidáticos. Temos de buscar alternativas confiáveis para suprir os anseios e a inteligência dos nossos filhos e netos, não é?

- Olha só, que alternativas confiáveis tu queres? Mas o que é isso? Disse arrogantemente a professora.

Ante a deselegância, Crisio eleva o tom de voz.

-Professora, em primeiro lugar, modere seu tratamento. Sou bem mais velho e exijo respeito. Além disso é bem mais moça e não tens a metade de minha escolaridade. Respeito. Não me surpreende o que meu neto me transmitiu outro dia sobre sua pessoa. Entendo sua indignação ao ser contestada sobre um período histórico. Posso garantir que a redação, as quatro páginas que ele redigiu, foi impecável, mas levou zero e será prejudicado no andamento do ano letivo. Meu neto é estudioso, inteligente, educado e muito bem informado apesar de sua pouca idade. Esse conhecimento assusta, dá inveja e é motivo de orgulho dos pais e avós. E outra, ele não se restringe aos livros indicados pelas professoras. Busca conhecimento em outras fontes, sim, mais confiáveis. E eu, como avô, não vou permitir que ninguém o apequene.

Já que estou discursando, voltemos ao tema em pauta e motivo de tudo: o que Joape escreveu está absolutamente correto e você, professora precisa se corrigir. O período militar foi organizador e modernizador do país, em que pese os adoradores do caos tentassem destruí-lo para construir uma ditadura sem precedentes, bem aos moldes das instaladas naquela época pelos regimes que defendiam.

Estou com quase 80 anos, vivi aquele período e sinto um orgulho danado de tê-lo apoiado. Não me arrependo e até hoje, para livrar o país de mentirosos e falsos divulgadores de fatos históricos, me pronuncio. Utilize seu tempo para instruir-se, professora, mas sem preconceitos e radicalismos. De coração aberto.

Ainda bem que me antecipei a vinda do meu filho, pois , tenho a certeza, se não o fizesse, que o caldo iria ferver muito.

- Eu não vou mais me sujeitar a isso, diz a professora.

- Vai, sim, ouça, reflita e me traga o trabalho do garoto, diz a diretora Cronolândia.

- Não precisa, tenho uma cópia aqui, fala Crisio, estendendo a cópia á diretora.

- Leia para nós, Esterlina. Vamos ver o que tem de errado, ordena Cronolândia.

E a professora foi lendo muito a contragosto.

"... o golpe não foi um golpe e sim um contragolpe, pois os comunistas de Prestes e Julião já estavam com a revolução a caminho. Brizola e Jango eram os artífices...";

"...toda trama foi arquitetada por civis, tendo como idealizadores e líderes Magalhães Pinto, governador de Minas e Lacerda, do Rio de Janeiro...";

"..o país saiu da 64ª posição no ranking das nações para 8ª economia...";

"...toda infraestrutura que dispomos foi construída naquele período..."

Mas vejam só a petulância desse garoto criticando os autores escolares:

"...o período militar foi criminosamente retirado dos livros didáticos..."

"..naquele tempo não tínhamos..." chega de ler.

- Professora, alguma inverdade nas linhas da redação, nas afirmações do meu neto?

A professora, atônita, havia "tascado" zero no trabalho e pouca ou nenhuma atenção tenha dado ao texto.

- Além do português impecável, que para mim já valeria grau máximo, que viste para não dá-la a Joape e ao trabalho, Esterlina?

- Crono...

- É que ela não leu o trabalho, diretora.

De fato, a professora fora educada dentro da cartilha do partido, desconhecia o tema e não estava acostumada ao contraponto, mesmo que este fosse semanalmente através de Joape nas aulas de História e Geografia.

- Pois é, professora, o meu neto sempre se referiu á pesquisa histórica com carinho, pois quer ser pesquisador. Também sempre me disse que a tem como exemplo.

- Esterlina, revise seus conceitos, planos de aula. Pesquise mais e dê a Joape a nota que merece.