Erro médico...realidade e vida...

 
     A vida, assim como me parou, preparou-me para viver a dor. Pouco tempo antes de me estabelecer desafios ofereceram-me pessoas que me ajudaram a enxergar sem olhos, a falar através de gestos, a entender o mundo vencendo toda e qualquer limitação. Não sabia o caminho, questionava à estagnação, angustiava-me por pequenos problemas cotidianos que poderiam ser resolvidos facilmente e, minhas lágrimas infundadas, vendaram meus olhos, tamparam meus ouvidos para os caminhos tortuosos que ainda iria enfrentar.
     Erros não deveriam acontecer, assim como, esperanças nunca deveriam ser oferecidas se há uma margem humana de não se atender às expectativas.
     Algo me dizia que naquela manhã minha vida mudaria. Tive vontade de ir embora, olhava para o meu corpo saudável e me perguntava o que realmente estava fazendo ali. O médico entrou com um sorriso vitorioso de quem tem absoluta certeza daquilo que faz. Encaminhou-me a sala cirúrgica, o medo tomou conta de todos os meus poros. Agora, seria inevitável, estava ali a mercê de mãos que modificariam toda a minha vida. Adormeci. Quando acordei, já cercada de carinho, senti as primeiras vertigens, que ironicamente, permaneceriam por um longo e indefinido período.      Nada mais seria igual e a luta estava apenas começando. Não sabia que seria tão árdua e nem que eu seria tão forte. Não conseguia perceber as dores e angústias que fariam parte do meu cotidiano e das limitações que a negligência e inconseqüência de um ser humano poderiam acarretar.
     Sempre me soube forte, determinada e portadora de uma fé inabalável, fundamentada nas raízes que me educaram, aparando com rigor e carinho minhas arestas. Mas, a cada tentativa, cada nova cirurgia, cada esperança de melhora que nutria cada frustração e dor, era um exercício de fé e paciência que a vida me impunha. Lágrimas, solidão, medo... Todos os testes de resistência pelos quais passei, transformaram-se em alicerce e caminho.
     Senti-me fraca, blasfemei contra a vida. Houve momentos em que me dobrando ao chão em lágrimas, tinha a impressão de que jamais deixaria de chorar. Faltava-me a convivência, o trabalho que amava e que, certamente, sempre me sustentou em todos os sentidos. Faltava luz para clarear as trevas que me consumiam.      Caminhava perdida entre a carência e a mais terna solidão.
Depois de quatro cirurgias e muitas aflições, identificaram o erro. Como um anjo, outro médico apareceu, não ao acaso, em meu caminho. Continuava com vertigens e inseguranças que me acompanhavam com uma proximidade incômoda.
     Era domingo, quando acordei tomada por dores fortes que não cessavam, ficava-me a impressão de que seriam eternas. O casamento, assim como tudo o que me circundava, ruía. Era grande a necessidade de afeto e era certa, a ausência do mesmo.
     Não conseguia vislumbrar possibilidades melhores, nem internas nem externas. Um breu que se instala no coração cansado de ouvir que tudo ficaria bem... Mas, os fatos não traduziam esperança.
     Senti-me perdida em pensamentos autodestrutivos. Um grande erro comete quem não se demonstra frágil quem sempre serve de modelo de um herói inexistente. Quem exige tanto de si que não leva em conta sua condição humana.
     Cheguei definitivamente ao fundo do poço e, depois de muitos lamentos, em uma dessas inspirações divinas, amparadas pelo Senhor da Vida, enxuguei as lágrimas e passei a vislumbrar os presentes que a vida havia me oferecido, como que se buscasse compensar as dores.
     Comecei a lembrar dos filhos que gerei, das dores que senti ao não reter o primeiro. Da alegria de receber em meus braços minha menina, Letícia e, da surpresa que tive quando Deus, generosamente, compensou-me a perda do primeiro filho, oferecendo-me à oportunidade de carregar no ventre dois belos meninos que também amaria mais do que minha vida. Percebi a cumplicidade dos três enquanto eu egoisticamente sofria. Os amigos que não me deixaram ou que fiz, a solidariedade na dor oferecida em pequenos gestos que na tensão não pude perceber.      No amparo certo do amor dos familiares. Nos exemplos de resistência aprendidos com alunos e professores que a vida me ofertou. Nos escritos que fluíam, no retorno inesperado e positivo dos leitores.
     Um véu de luz se abria diante de todas as dores que existiam em mim, mas, não mais dominavam meus sentimentos. Sabia que nada havia mudado fisicamente e que muita luta ainda seria travada. Contudo, não me importava mais o tempo que durasse ou a extensão da dor, redirecionaria meus caminhos e continuaria lutando pela vida, transformando limitações em possibilidades.      Avançando e evoluindo em meio às emoções que perturbam e edificam Percebendo-me mais humana, mostrando-me mais frágil, percebendo-me mulher.