Insustentáveis lembranças

Belvedere Bruno

 Havia, naquela casa,  pendurada na parede, uma   fotografia emoldurada. Eram  duas irmãs. A fotografia tinha o  colorido  um tanto  esmaecido, assemelhando-se a  uma pintura.  Ao olhar  para a foto, Marina pensava na  brevidade daquelas vidas. A família dizia que ambas haviam falecido num curto espaço de tempo.Tinham, respectivamente, quatorze e quinze   anos. Estavam noivas, faziam crochê,  confeitavam bolos  e  sonhavam!
Frequentadora assídua da casa, Marina não se cansava de admirar  a suave beleza  das moças que,  para ela, pareciam  duas santinhas .  Os anos se passavam e a foto ali permanecia,  como se o objetivo  fosse preservar  a  lembrança das jovens.
 Como o tempo, aos poucos, vai levando tudo: pessoas,  mágoas, afetos, e até  as mais caras lembranças , um dia Marina  entrou  na sala  e, ao olhar para a parede , viu que estava vazia.
 - Onde está a foto?- perguntou, ansiosa.
-Tiramos.  - respondeu um jovenzinho da família, teclando num computador.
  - Como puderam esquecê-las ? As dores da partida perduraram por anos a fio, e agora  elas nada  mais significam ?
 - A vida é assim mesmo, tia - respondeu o  jovem  -  Elas viveram enquanto  as pessoas se  interessaram por suas histórias . Os  que conviveram com elas  já partiram; os  mais novos
nem  olhavam para aquele quadro empoeirado.  Decidimos tirar porque, para ser sincero, aquilo não tinha  nada a ver com nossa realidade. -
"Marina sentiu escapar uma lágrima que, disfarçadamente, enxugou."  . Levantou-se e saiu, acenando aos presentes.
 Pelas ruas, um único pensamento  a envolvia na mais profunda tristeza:  terminava, ali, aquela história de vida.
E
, naquele  exato momento, ocorria, de fato, a morte das duas jovens.