Diário de Tempestades

Havia comprado, mais cedo, em uma livraria que fica na esquina próxima a minha casa, um caderno que tem na capa uma ilustração diferente e chamativa – algo que, habitualmente, não se põe em capas de cadernos comuns. Era uma espécie de vendaval, uma grande tempestade que prende a atenção dos nossos olhos pelo reboliço que é feito na bela paisagem submetida à inquietação do vento.

De alguma forma, o desenho no caderno me levou a uma certa lembrança do meu tempo de adolescência. Quando sentia vontade de condescender com as manias da fase dessa mocidade. Queria transformar toda vivência daquela época em poesia, escrever versos que retratassem as desilusões e, também, as bonanças de cada momento vivido.

Sim! Queria possuir uma espécie de diário, mas era reprimido pela minha sádica ignorância, baseada nos preceitos do preconceito, arraigado em mim pela sociedade. “Ter um diário é coisa de menina!” é o que se ouvia quando ousava comentar esse fato no grupo de amigos que me cercava. Resultado: Deixei passar uma oportunidade propícia de mostrar às pessoas que, por algumas vezes, é saudável quebrar as regras, quando se trata de auto-afirmação sem autodestruição.

No entanto, esse caderno, essa ilustração me deram forças para argüir a constatação antiga. É hora, sim, de finalmente ter o meu diário e de escrever, nele, os versos de uma nova vida que assume e encara de frente os antigos desejos. Poderia muito bem aderir ao estilo moderno e criar uma pasta em meu computador, intitulada “Meu Diário”. Mas, não! Desta vez, prefiro ser atrasado e usar os meios de antigamente. O caderno com a capa de tempestade veio a calhar! É como se essa tempestade evidenciada na capa reunisse entusiasmos para escrever as primeiras linhas, fazendo das páginas, já meio amareladas do caderno (que ninguém quisera comprar pelo desenho, subjetivamente, triste), o documentário de um tempo novo daquela vida remota.

Então, o que se escrever como abertura? O texto inicial deveria ser equivalente ao tema acometido pelo desenho da capa, à lembrança trazida por ele e ao sentimento que o meu coração anuía naquele momento. Depois de alguns minutos de reflexão, sentado à mesa da sala, sob a luz de um abajur coberto por um tecido alaranjado; comecei a registrar as palavras afilhadas do desejo emotivo que me abrasava. A minha única companhia naquele momento era o cenário da pouca luz que me contornava, as pancadas do relógio na parede e o pulsar alentado do coração dentro de mim.

O primeiro texto reuniu os três tópicos preestabelecidos. As palavras relampejavam o tema da ilustração, estilavam em pingos fortes o sentido daquele momento de solidão e diziam: “Por um tempo que se perdeu no tempo, a chuva forte que trazia o medo do som estardalhante dos trovões, o brilho ofuscante dos raios, o vendaval que provoca o pulsar desordenado do meu coração não molhava mais o rosto do meu sentir tão sentido, porque os pingos da chuva foram ficando escassos com a ausência da sua presença. E o que era temporal (em mim) transformou-se numa suave neblina que, de muito leve e de forma atemporal, tocava o tempo do meu sentimento.

Mas, a imprecisão típica desse temporal, outra vez, confunde o tempo estável do que acalmava e acalantava a força do temporal de outrora.

Agora, há uma possibilidade de a chuva cair de novo... O vento sopra forte... Da janela, vê-se o reluzir dos raios, ouve-se já o estouro dos trovões que, mesmo a certa distância, dá o sinal certo da sua presença. O medo bate à porta, o coração acelera e segue um ritmo descompassado... Outra vez, a tempestade que o meu amor espera de você.”

Apesar da solidão que se completava com a falta e a espera, eu estava muito feliz com o meu caderno/diário. Poderia, enfim, escrever sobre os meus dias e noites de tempestades sem que nenhuma tempestade de oposição me contrariasse. Assumi, pois, o compromisso de todas as noites, sob a mesma luz do abajur laranja, relatar nas páginas do Meu Diário um fato importante do meu dia até que possa completar todas as páginas (uma a uma) para, quem sabe, em outros dias, compor um outro Diário de Tempestade.