AMOR INDIGENTE


        Embicou, definitivamente, naquela tormenta. Esquivou-se de companhias. Bebeu sozinho. 

        Quando a encontrou, já de madrugada, sob a marquise de sempre, boiava na liquidez da perturbação dos sentidos.
 
        Retomou a acusação e a ameaça: qualquer dia, rasgo os dois. 

        Gradativamente, embebia-se na ira que dissolvia o pouco que lhe restava de lucidez naquele transbordar de desvario. Submergia.
 
        Debaixo dos trapos sujos, encolhida na calçada junto à banca de jornal, em estupor, a mulher vazava com o olhar a cara de seu verdugo. Não o via nem ouvia. Alheada, sublimava. 

        Aquele silêncio, aquela passividade, aquela inércia evidenciavam a culpa. 

        Bêbado de álcool e fúria, avançou sobre o corpo estático da mulher, enfiou a mão pelo decote da sua blusa e arrancou-lhe de junto ao peito a prova da traição, motivo de seu padecimento. 

        Diante de uns olhos mudos de onde brotara apenas uma lágrima, lentamente, saboreando cada movimento, picou em centenas de pedacinhos aquela página amarelada de revista que estampava as fotos de Zinedine Zidane e Fabien Alain Barthez, recebendo as medalhas de campeões da Copa do Mundo de 1998.

Rosane Coelho
Enviado por Rosane Coelho em 06/07/2006
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