O processo da obra

Um jardineiro, senhor grisalho, de média estatura, pintado por todos homem honesto e bondoso, porém acirrado em todos os detalhes mínimos de sua vida particular; recebeu de madame Betina Carrero, a vizinha da frente, a honrosa missão de restaurar o jardim de sete por cinco, situado nos fundos da mansão dos Carrero.

Esse jovem senhor de cinqüenta anos, de nome João Honório Vieira, aposentou-se em 1983 por conta de um inesperado acidente de trabalho, não na jardinagem, mas na construção civil. O triste acontecido o colocou sentado numa cadeira de rodas, estado no qual se locomoveu durante quinze anos. Depois disso se recuperou substituindo as rodas por muletas, e, mais adiante uma bengala. Posteriormente tentou outros ofícios, pressentindo, entretanto, que os outros olhos preferiam vê-lo encostado nas paredes de sua casa. Então dizia todas as manhãs à sua esposa:

- Onde está a tesoura de poda? Aquela árvore precisa ser podada! E aquela muda transferida para outra cova mais profunda!

As plantas, ervas e flores, ou quaisquer vidas que germinassem do chão, eram de fato sua grande paixão; desde quando aos quinze anos começou a trabalhar voluntariamente nos canteiros de toda a rua, presenteando o bairro com alegres decorações.

O tempo passou e numa segunda-feira, por volta da média hora, recebeu o recado de madame Betina, viúva rica e piedosa, todavia demonstrava ás vezes certo desequilíbrio, que era inofensivo.

Quanto ele viu o jardim, guiado pela governanta, ficou extasiado ao contemplá-lo - estado espiritual manifesto somente aos que têm o privilégio de confrontar os próprios sonhos:

- É maravilhoso! Afirmou o velho.

- Não sei do que está falando, mas em todo caso vos deixo a sós, respondeu intrigada a criada dirigindo-se para dentro com uma vassoura à mão.

O jardim era semelhante ao campo do dia final, do trigo e do joio, e a visão de João Honório era na verdade uma visão do futuro. Havia cravos, rosas e jasmins sendo sufocados por um potente pelotão de ervas daninhas em sua maior biodiversidade.

Ele sabia exatamente o que fazer. Foi logo tomado por uma energia que há muito não sentia. Abaixou superando a dificuldade física, e, ao começar o serviço, foi interrompido:

- Não ia começar ainda, não é? Faltam umas instruções. Coisas básicas.

Era a senhora, dona da casa, que com uma séria expressão no rosto continuou:

- Muito bem, depois de arrancar todo esse mato quero que o senhor vá até a cidade cotar os preços destas finíssimas mudas.

Entregou-lhe então a seguinte lista:

- 05 Schefflera pequena

- 08 Flamboyant

- 03 Catharanthus Roseus

- 01 Dracena de Madagascar

- 02 Calliandra Brevipes

Ao retirar-se concluiu ainda a mulher, sem dar-lhe direito de resposta:

- E não tenha pressa, terá o prazo de uma semana para fazer isso, e será muito bem pago. Garanto-lhe.

Com tais ornamentos ele seria capaz de concluir uma obra esplendorosa, pois eram arbustos raros que logo estariam em suas mãos. Aquela questão tornou-se o dilema do jardineiro, pois tinha certeza de que poderia também transformar tudo aquilo num exemplo de perfeição, utilizando-se da simplicidade de algumas flores. Por outro lado perderia boa gratificação em dinheiro.

Saiu inquieto pela cidade, pesquisando os preços das plantas, que eram altíssimos, por sinal, enquanto andava pensativo pela rua. Durante aquela semana refletiu e realizou algumas mudanças no jardim, de forma que pudesse ver ao menos o resultado antes de destruí-lo.

Uma semana depois a governanta encontrou no lixo do quintal a lista das plantas, ao passo que madame Betina admirava pasmada um belíssimo jardim composto de rosas, jasmins, cravos, mil cores e infinidades de espécies e tamanhos. João Honório foi embora sem reivindicar pagamento.

E sua mãe, distinta senhora, munida de valorosa tradição já o repreendeu certa vez: “Os cobertores foram feitos para cobrir e não para forrar”, fato que o fez sorrir, obedecer contrariado e levantar-se, entendendo o poder que tinha de mudar as coisas.

Luciano Osawa
Enviado por Luciano Osawa em 16/07/2006
Código do texto: T194960