"Não Foi Por Falta de Aviso..." =Conto curtinho= Reedição

- Minha querida, você é simplesmente imbatível na sua especialidade.

- Posso saber qual é essa minha especialidade?

- A inconveniência. Jamais, em toda minha vida, conheci alguém com a sua total e absoluta falta de conveniência. Para definir em poucas palavras: você tem sempre a frase errada, no momento errado, da maneira errada. Nunca, nestes dois anos em que somos amantes, você perdeu uma única oportunidade de dizer o que não devia no momento em que devia permanecer calada.

- Então porquê você continua comigo? Se sou mesmo assim, desse jeito, porquê você ainda não caiu fora?

- Sei lá...Deve ser alguma espécie de masoquismo, expiação de culpa, ou, até, quem sabe, excesso de atração física. Sua beleza física é incontestável.

- Quer dizer que é pra isso que eu presto? Para o sexo?

- Não. Juro que não, minha querida. Você me irrita muitas e muitas vezes, mas a verdade é que gosto de você. Cuidado. Cuidado, meu bem. Esse despenhadeiro é muito alto. Melhor dar uns passos para trás.

- Aqui onde estou está ótimo. A vista é maravilhosa daqui de cima. Escute bem o que vou te dizer: você tem só mais uma semana de prazo. Se dentro de uma semana você não acabar com aquele seu casamento ridículo, se não der o pé na bunda daquela sua esposa ordinária e extraordinariamente rica, juro que vou botar a boca no trombone. Vou contar pra todo mundo que somos amantes, que estou grávida, que você me seduziu com promessas de casamento. Aí você já viu; né? Seu poderoso sogro vai mandá-lo pro inferno. Vai te arruinar de vez. Não vou te avisar de novo, ouviu, meu amor? Minha paciência já acabou. Ouviu?

- Ouvi, minha querida. Ouvi muito bem suas últimas palavras.

- Porque “últimas palavras”?

- Por isso, minha querida. – Um ligeiro empurrão no corpo da moça, que teimara em ficar em pé à beira do despenhadeiro, e logo ela ia ao fundo em alta velocidade, voando de encontro às imensas pedras dezenas e dezenas de metros abaixo.

- Eu te disse tantas vezes, minha querida, e você nunca me escutou: você sempre escolheu o momento errado, a frase errada, o lugar errado pra dizer as coisas. Não foi por falta de aviso.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 08/02/2010
Reeditado em 08/02/2010
Código do texto: T2076037
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