"Chifre Precoce" =Baseado em fatos reais=

- Pode embrulhar que eu vou levar. Meu velho merece. Tem jeito de embrulhar pra presente?

- Claro, meu amigo. Vou caprichar na embalagem. Isso é que é filho carinhoso. Esse gravador não é nada barato.

- Meu pai merece. Além de merecer, meu velho é doido por música e por gravação de músicas. Você nem pode imaginar o quanto ele perturba os netos para que cantem perto do gravador. Com essa beleza aí ele vai querer gravar o dia todo. Recém-aposentado, já viu; né? Tem tempo sobrando até arranjar outra atividade. Parado eu sei que ele não ficará.

- Conheço seu pai. Ele está sempre aqui comprando as fitas-cassete. Gente boa o seu velho.

- Se é...Bonito o embrulho. Gostei. Então até a próxima.

- Até. Um abraço em seu pai por mim.

Cícero não via a hora de entregar o presente ao pai. Imaginava a cara boa que ele faria ao ver o que continha a caixa.

“Nunca vi gostar tanto de gravador. Esse aqui eu acho que é o melhor que existe no país atualmente. Chegando em casa vou testá-lo o quanto antes. Não quero que meu velho se decepcione se houver alguma coisa errada”.

Ao chegar à sua casa Cícero dirigiu-se ao quarto da irmã. Não queria que seu pai visse o gravador desembrulhado, não preparado para presente, se chegasse de repente e o visse com ele na sala.

No quarto da irmã, sentou-se na cama, desembrulhou cuidadosamente o gravador, tirou-o da caixa, abriu a parte traseira e colocou as grandes pilhas que o aparelho exigia.

- Agora só falta alguém falar perto dele pra confirmar que o som é bom mesmo...

Enquanto preparava o aparelho ouviu o barulho da porta da entrada social da casa e logo depois vozes femininas. Uma era da irmã, a outra, ele percebeu logo, era de sua obsessão antiga, a linda Juliana, amiga de infância de sua irmã.

Sem pensar duas vezes, Cícero enfiou-se embaixo da cama da irmã com o gravador. Sabia que as duas moças sentariam ali para conversar e faria uma brincadeira com elas gravando a conversa que tivessem. Conversa que prometia ser quente, visto que Juliana acabava de voltar de sua lua-de-mel.

A primeira voz a ser ouvida logo após as duas se sentarem na cama foi a da irmã:

- Ah, Juliana...Que coisa pavorosa você fez...Coisa horrível mesmo! Nunca imaginei que alguém fosse capaz disso...Dá até vontade de chorar, te juro. Logo com ele, tão apaixonado, tão dedicado e carinhoso com você, Juliana... Olha, eu sempre comentei com você sobre seu assanhamento, suas brincadeiras exageradas com o meu irmão, mas nunca imaginei que fosse tão sem vergonha assim. Essa foi demais mesmo...

- Exagero seu, minha amiga. Também não foi um pecado assim tão pavoroso. A tentação foi demais e eu não resisti. Foi só isso. Você nem imagina como o rapaz era lindo...

- É...não foi não...Foi só um pecadinho à toa trair seu marido em plena lua-de-mel. Dois dias depois de casada!! Dois dias, meu Deus...Isso é sem-vergonhice no grau máximo, Juliana!

- Bem, o que está feito está feito. Agora não tem como voltar atrás. Vamos mudar de assunto que esse já encheu, minha amiga.

- Acho melhor você corrigir, Juliana. Sua ex-amiga. Uma ex-amiga que prefere não vê-la mais e que lamenta o azar de um amigo sincero por ter se casado com você.

- Está acabando com nossa amizade assim, na lata, sem contemplação? Contei só pra você e em confiança porque sei que não vai me trair e contar pra ele.

- Estou acabando com a nossa amizade sim. Se continuar sendo sua amiga nunca mais terei coragem de encarar seu marido. Sei que me sentiria sua cúmplice, e como não concordo com safadeza...Ainda mais com quem não merece.

Cícero suava frio embaixo da cama. Tinha que controlar-se ao extremo para não sair dali e dar um violento esporro na vagabunda que se casara com seu bom amigo. Torcia com fervor para que a conversa tivesse sido bem gravada, sem ruídos que a prejudicassem. No que dependesse dele, aquele casamento acabaria o quanto antes.

Havia anos que Juliana provocava nele um tesão imenso e correspondia às suas brincadeiras, mas eram sempre apenas brincadeiras, mesmo quando mais pesadas ou ousadas. Um ou outro amasso ligeiro, um beijo no cangote, um aperto bem dado, mas tudo na base da risadaria e de uma “violenta” luta dela para libertar-se do amigo “tarado”.

“- Putzgrila!! Ela traiu meu amigo em plena lua-de-mel!! Dá pra acreditar numa coisa dessas? Ela sempre foi assanhadinha, sempre convicta de sua beleza e gostosura, mas parecia gostar dele de verdade. Às vezes a gente exagerava na brincadeira e ela parecia ceder um pouco, mas nunca me deixou ir muito adiante nas tentativas. Quantas vezes perdi o sono pensando nela em minha cama...Um montão de vezes. Um dos melhores momentos meus com ela foi quando brincamos de passar protetor solar nas coxas dela e o “sacrifício” ficou por minha conta. Passei aperto pra não sair uma certa coisa de dentro do calção. O circo levantou a lona de vez...”

- Juju, quanto tempo, garota!! Como é que vai a vida de casada? Gostando de ser patroa?

- Chatice total, Cí. O Humberto é muito bom, muito boa pessoa, mas sabe aquele tipo todo certinho, todo organizadinho, todo cheio de manias e frescuras? Pois é. Esse é o jeito dele. Dois banhos de meia hora por dia, perfume o tempo todo, a camisa não pode ter um amassadinho que, pronto, já causa a maior tristeza nele. Enfim, um chato de galocha. Tô cheia dele pra valer.

- Um mês de casados?

- Dois. Dia 4 agora, semana que vem, completamos dois meses de casados.

- E o rapaz que te traçou na lua-de-mel? Voltou a te procurar?

- Não vai dizer que sua irmã te contou meu segredo!? Filha da....

- Contou nada. Aquela ali sabe ser discreta. Acontece que eu ouvi as vozes de vocês quando entraram lá em casa, me escondi depressa embaixo da cama dela pra brincar contigo e, até mesmo sem querer, gravei a conversa das duas no gravador que comprei para presentear meu velho. Eu estava testando o gravador quando vocês entraram.

- E você ainda tem a tal fita?

- Claro. Se não tivesse, como é que iria chantageá-la depois? Quero um milhão de dólares em notas pequenas, à meia-noite, no quilômetro 50 da via Anchieta. E nada de avisar à polícia.

Ela riu gostosamente e fez logo sua contra proposta:

- Um milhão de dólares...Essa é boa!! Só se for a prazo, em umas duas mil prestações e ainda sem entrada. Aceita uma tarde de amor no lugar do milhão de dólares? Quando eu era solteira, e virgem, a gente só ficava nos amassos bobos...

- Negócio fechado. No seu apartamento ou no meu?

- No meu. O Humberto só chegará em casa às oito e vinte e três da noite. De segunda a sexta às oito e vinte e três. Aos sábados às quatorze e cinqüenta e cinco. Vamos.

Generosa a Juliana. Em troca daquele milhão de dólares ela deu a Cícero muitos momentos inesquecíveis, mas ele também foi generoso e destruiu na presença dela a fita-cassete que trazia no bolso. Uma fita que morreu virgem porque, nervoso com a conversa das duas, havia se esquecido de apertar o botão que ligava o gravador.

Cícero pensou bem e chegou à conclusão de que Humberto não era tão bom amigo assim. Muito metódico, muito sério, chatinho mesmo...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 06/04/2010
Código do texto: T2181110
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.