lago_municipal_-_cidade_de_cascavel.jpgImagem: www.skyscrapercity.com         

               A LENDA DE CASCAVEL

 
                Sol, chuva, vento... Não importava. Os planos de Zé estavam a ser consumados. Dali a três dias estaria de partida. O Norte do Paraná fazia muito calor. Terra vermelha. Só o fato de sair de Londrina, ou seja, da pequena Londres como era conhecida, passar por Cambé e Maringá, animava os tropeiros. Comprando gado e vendendo, mas o principal destino: Encruzilhada, no Oeste do Estado. Demoraria dias, meses... para chegar nesse pequeno patrimônio.
 
               A pensão de dona Tilde recepcionava vários tropeiros. Os que apareciam com mais frequência era o Zé com os peões, vindo do Norte, Eusébio, vindo de vários lugares do Sul do Estado e alguns de Foz.
 
                Nico havia passado por Campo, Mamborê e estava em Brasiléia, dirigindo-se para Encruzilhada.
 
             - É isso aí peonada. Não vejo à hora de chegar ao nosso destino e... ver aquelas donas!!!
 
            - Que donas. O que está falando, homem? - Perguntou Nico com uma certa irritação.
- A 'tiia' lá perto da casa da dona 'Tirde'...
 
            - Para com isso Bastião. A minha preocupação é levar o gado até lá e vendê-los. O meu negócio é 'réis', entendeu?
 
           - É patrãozinho, o siôr só pensa em réis. Nóis só pensa em muié...
 
           - É isso Bastião. Lá perto da Encruzilhada da Varanda tem uma casa azul coberta de tabuinhas. Vamos fazer uma visita àquelas donas bonitas...
 
            Todos riram.
 
            A equipe reuniu o gado nas margens do Rio Toledo, em Brasiléia. A água do rio era cristalina que dava pra ver os peixes no fundo. Antes de equipar os animais cargueiros com cangalhas e bruacas, tomaram uma cachaça que tinha num garrafão e foram sestear.
 
            Maria Isabel, filha de dona Tilde, a Bel como a chamavam, encilhou o cavalo preto e saiu campo afora com destino a Brasiléia. Janguinho, o criado da casa pegou a espingarda, cachorro e buzina feita de chifre de boi e foi caçar. Paca era a carne preferida de todos os da casa. Dificilmente o jovem caçador voltava de mãos vazias.
 
                 - Onde foi aquela guria, a Bel? - Perguntou a mãe preocupada com o alojamento dos hóspedes que chegariam em breve.
 
                 - Mamãe... Ela falou pra Cida que ia até Toledo!
 
                 - Onde é que fica esse tal de Toledo? Eu conheço o Rio Toledo.
 
                 - É lá mesmo, papai. Acontece que mudou de nome. A vila cresceu e mudou de Brasiléia pra Toledo.
 
                  - Não havia mudado para Cristo Rei, filha?
 
                  - Sim, papai, mas mudou de novo!
 
                         Maria Isabel foi se encontrar com Nico. Os peões não faziam menor ideia conhecendo o patrão como conheciam. Era tímido, evitava até de falar em mulheres, mas entre os dois existia um fogo de paixão. Bel chegou ao acampamento assustando os tropeiros.
 
             - Nico! - Disse ela um pouco apavorada.
 
              Nisso o tropeiro saiu na porta da barraca.
 
              - Eu quero falar pelo menos uma hora contigo. Ordena que alguém cuide do Granada. (Granada era o nome do cavalo que a moça montava). Tu sabes o porquê que estou aqui. Meus pais não sabem. Só minha irmã Genoveva. Eu estou com medo. Eles não querem o nosso namoro, porque acham que todo o tropeiro é malandro. Eu não me importo. Eu sei que tu frequentas a casa Azul lá na Encruzilhada. Eu fico morrendo de ciúmes, mas não posso fazer nada. Homem é homem!
 
                   - Pode sim, Bel. Casa comigo! Eu te amo!
 
                   - Eu também te amo, Nico!
 
                          A declaração foi comemorada com um longo beijo. Poderia ser melhor se a rapaziada não ficasse rindo dos dois apaixonados. Foi um coro de risadas. Combinaram entre eles que se os pais não consentissem, ela fugiria de casa, mesmo que fosse deserdada.
 
                         Na casa da dona Tilde, o que se estranhou, que tanto ela como o velho que era exigente demais a respeito das filhas, mas os dois estavam calmos. Bel chegou e explicou tudo para a mãe e esta repassou ao pai. Nico pediria sua mão, assim que chegasse.
 
                          Durante uma semana foi chegando o pessoal vindo de vários lugares. A pensão era grande. Um casarão antigo com sótão, porão e a cobertura um pouco empenada. Assentados na varanda, alguns peões com gaita, violão e viola, animavam a festa informal. Outros assistiam tomando chima e fumando palheiro.
 
                          O objetivo de Zé tocando sua viola, era conquistar Maria Isabel, mas Nico foi mais esperto. Pela mesma moça todos se interessavam, pois era a mais bonita. Os outros, mesmo não sendo isso o que queriam, um namorou a Cida e o outro Genoveva.
 
   Nico comunicou a todos que iria se casar com Bel. Na próxima viagem ficou de trazer as alianças e na outra casar-se. Todos foram unânimes em gargalhadas, mas enfim, aplaudiram.
 
  - Agora, cada um vai para o seu quarto, que logo amanhece e nós precisamos descansar.  - Sugeriu Zé.
 
                           Após alguns já ter se esticado na cama, ainda ficou uns que se demoraram mais um pouco. Quando silenciou...
 
                        - O Bastião! Tu tá dormindo?
 
                        - O que foi Nico! Dorme homem! Amanhã, quero dizer daqui a pouco tu vê ela! Tu é um cara de sorte memo!
 
                       - Eu não estou falando disso. Escute só esse barulho, pertinho donde está o meu cavalo!
 
                          Eusébio no outro quarto percebeu a bulha. Levantou quietinho, pegou uma cartucheira e saiu para o lado de fora. O barulho cessou um pouco, depois continuou: “zzzz...  zzz..  zzzz...”
 
                    - É uma... cobra... cascavel!!!
 
                     Nisso, Nico e Bastião já haviam se levantado. O marido de dona Tilde também se levantou com um machado na mão. Disse que uma vez matou uma cobra naquele local, e a outra escapou.
 
                    Eusébio foi se aproximando do local que vinha o ruído do guizo. Mané trouxe uma lanterna de querosene e entregou a Eusébio.
 
                    - Vem cá Mané. Segure isso pra mim.
 
                        O moço segurou a lamparina. O homem deu um tiro de espingarda no rumo onde estava a cobra. Uma conseguiu matar. A outra adentrou num buraco. Naquela noite ninguém dormiu, devido o medo que os apavoravam. No dia seguinte cavaram o esconderijo da serpente, mas o que ninguém imaginava que ali fosse um ninho de cascavéis. Mataram, supunha todas. Não houve prejuízo, nem humano nem para os animais.
 
     No período de um ano depois, realizaram-se dois casamentos na casa de dona Tilde. Maria Isabel, a bonita e formosa Bel, com Nico. Genoveva com Bastião. Todos começaram a chamar a pequena localidade de Encruzilhada da Varanda, de Cascavel, devido ao episódio triste na noite do horror. Até mesmo as cartas que a família de dona Tilde recebia, vinham escrito assim: “Encruzilhada da Varanda e entre parênteses, Cascavel.
 
               Cida não se casou. O seu pretendente era Eusébio, mas não se sabe o porquê, preferiu ficar solteira. Queria ser freira, mas não chegou a ir para o convento. Ficou apenas para titia. Para benzer tormenta. - Brincava ela.
 
              O velho casarão foi demolido. Os proprietários faleceram. Os herdeiros venderam a propriedade. Com o apoio do Governador do Estado do Paraná, em 1952, foi oficializado a cidade de Cascavel, que só cresceu, cresceu e continua dando condições de vida melhor a todos os que a adotam como sua cidade, seu rincão, sua casa...

(Christiano Nunes)

 

 
PS. A CIDADE DE CASCAVEL, ESTÁ LOCALIZADA NO OESTE DO PARANÁ A 495 km DE CURITIBA. FOI EMANCIPADA EM 28 DE DEZEMBRO DE 1952, NO MESMO DIA DA VIZINHA CIDADE DE TOLEDO. AMBAS PERTENCIAM A FOZ DO IGUAÇU. A CIDADE DE TOLEDO FICOU NACIONALMENTE CONHECIDA DEVIDO À FESTA ANUAL, DO “PORCO NO ROLETE”.