AO VENTO
AO VENTO
Abraçou satisfeita a mangueira. Olhou para cima, e a grande árvore parecia querer engoli-la, “Sobe, vai, deixa de ser boba...”, e ao mesmo tempo ouvia a voz da mãe, “Não vai subir porque é perigoso, hein?”, e ficou ali abraçada, ainda, naquele tronco forte, seco, sólido, marrom acinzentado.
O vento ventava forte em junho, na terra do vento, e fazia barulho, cantava, cantava e assobiava a música mais bela do mundo, aquela música do vento, “Que vontade de beijar o vento...”, a boquinha faz o movimento, joga o beijo no ar: frio, mas quente, que quente...! Sente a árvore, sente seu cheiro, sente a sua cor e sua graça, sente o seu movimento e os seus sussurros, tão grande, tão perto, presente. Presente nela. E no tempo. Arrepio.
“O vô falou que vai construir um balanço, um balanço feito de pneu (que medo, que medo...)”, ouve a própria voz e a voz do vento misturada com a das folhas da árvore, da árvore seca que dá fruta uma vez por ano, umas poucas frutas amarelas e grandes e doces, “Que doce, que docinha”, que a mãe apanha e corta no meio e come de qualquer jeito, se lambuza toda, logo ela que não gosta de lambuza e tem medo de árvore. A menina não entende como isso acontece. Acha que o medo acaba quando a mãe come a fruta.
E sonha com o balanço negro de borracha, com o balanço que o avô vai colocar na árvore, pendurado como se fosse a fruta, mas não vai ser doce como a fruta, “Quem disse que não vai?”, vai balançar e vai balançar e ela vai estar nele, e vai poder beijar melhor o vento, “Vai ver desse jeito ele não foge de mim, eu tenho medo da árvore e o vento tem medo de mim, que eu pegue um pedaço dele pra mim e nunca mais devolva, e aí ele vai ficar apaixonado por mim para sempre, vai ganhar o meu coração, este vento levado (e gelado)”.
“Vô, como você vai prender o balanço?”, e o rostinho ansioso olha para as mãos fortes e falantes do avô, que corta dois pedaços de corda grossa e amarra muitas vezes no pneu, dá várias voltas, “Será que o vento não vai ter medo de mim no balanço, eu vou sentir o vento, eu vou chutar o vento, eu vou beijar o vento, sopra, vento, sopra, me leva daqui pra me colocar no final do arco-íris, me leva, me leva, me leva...”.
“Vai, senta, que eu te ajudo, guria, vai, coragem!”, e senta com medo, grande medo, imenso medo, “Divino medo, que pula no meu coração, que me faz sentar aqui no pneu borrachento, que frio, que idéia a minha, agora vou, vai, pode empurrar!”, e desliza no ar, e sente o ventão que queria sentir cortando a cara, a alma, o medo, tudo. “Vou voar, vou voar, me deixa voar, vento, me venta contigo, me guarda contigo, me rouba um beijo...!”.
E ali balança, e ali balança, balança que nem a fruta madura, amarela, doce, perfeita, que doce, que doce, que docinha, que céu tão azul com as nuvenzinhas de formato de urso e de homem feio, que doce, que doce, que doce, mãe, a árvore é muito mais doce do que você pensava, dá outras frutas mais doces do que a que você come se lambuzando, mãe, estou me lambuzando agora, está vendo, estou lambuzada e estou voando tão alto que você nem iria acreditar, mãe, nunca iria acreditar no quão alto eu posso voar, voar, voar, me deixa voar. Me deixa voar. No tempo.