A MOTOCICLETA AMARELA

A MOTOCICLETA AMARELA

Bebel nunca teve certeza se queria mesmo casar com o Cláudio. “Está bem, eu até acho que ele é o homem da minha vida, Lurdinha, mas ele palita os dentes...!”.

Tirando esse quase imperceptível detalhe (levantar e ir ao banheiro no restaurante enquanto ele palitava tranqüilamente na mesa poderia a ajudá-la a resolver o problema e salvar o relacionamento), ela realmente o amava. Mas faltava algo, aquela coisa a mais, e ela não sabia o que era.

Moravam juntos há uns três anos, e nunca tinham falado em casamento, até que um dia o Cláudio chegou em casa sorrindo, uma garrafa de champanhe nacional em uma mão, e, na outra, uma caixinha de veludo preto que só poderia ter alianças dentro.

Bebel, que era uma moça educada, abriu a caixinha, deu um sorriso, e, quando olhou de volta para o Cláudio, imaginou-se vendo-o palitando os dentes após cada refeição pelo resto de suas vidas: “Bebel, você aceita Cláudio como seu legítimo esposo, amando-o e respeitando-o, sendo-lhe fiel e acompanhando-lhe na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, e agüentando sua palitação de dentes pelo resto de suas vidas?”.

Pára. Close no rosto da Bebel. Outro sorriso, desta vez mostrando os dentes pequenos, branquinhos e enfileiradinhos que um dia fizeram com que o Claúdio resolvesse ficar com ela e não com a Letícia, que tinha um corpão de top model, mas, infelizmente, quatro obturações horrorosas nos dentes da frente. Mas então a Bebel, surpreendendo até a si mesma, resolver aceitar o pedido. “Sim!”, e o Cláudio chorou de emoção. Mesmo tendo tudo aquilo bem fresco na mente, Bebel disse sim, o que comprovava que ela o amava mesmo. E, também, pensou que se por acaso o casamento não desse certo, ela iria aceitar aquele trabalho voluntário de um ano nas Ilhas Comores, cuidando de crianças carentes (ela era assistente social).

Os preparativos foram rápidos e intensos, iriam casar-se em três meses. O Cláudio, felicíssimo, resolveu convidar Deus e todo mundo, inclusive todos os seus alunos da academia onde dava aulas de ginástica há cinco anos. Todo mundo o cumprimentava a cada instante, ele não cabia em si de contente.

Alguns dias antes da cerimônia, o Cláudio, mais alegre do que nunca havia estado em toda a sua vida, segredou a um de seus alunos, um senhor muito sério e distinto, que estava planejando uma surpresa para a noiva no dia do casamento, à saída da igreja. O aluno ouviu quieto, imaginando o que poderia ser. A curiosidade e também a boa educação (era ainda mais bem educado que a Bebel) fez com que arrastasse a esposa ao casório de seu professor de ginástica. “O que estaria preparando aquela criatura...?”.

A cerimônia foi linda e brega como toda cerimônia de casamento. Mães chorando, noivo pálido como uma vela, noiva com um sorriso de anúncio de creme dental sem mover um músculo da face, hordas de mulheres vestidas de pretinho básico, Ave Maria tocada com pompa no provavelmente imenso órgão da igreja, daminhas de honra espalhando perigosíssimas pétalas de flores pelo chão da igreja antes da entrada da noiva, etc, etc, etc.

E chegou o momento do final. Beijinho comportado nos lábios, alguns malucos batendo palmas, e eles começam a sair pelo corredor da igreja. Vão saindo e saindo, e, ao chegarem na porta, Bebel vê exatamente o que faltava para que ela tivesse certeza de que amava o Cláudio. Aquele algo a mais: uma moto amarelo-ovo enorme, estilo Harley Davidson, os aguardava na porta da igreja, estacionada, reluzindo como um sol de janeiro ao meio-dia. Uma moto que os levaria dali para a festa, e da festa para o resto de suas vidas. Bebel olhava para a moto e olhava para o Cláudio, e seu sorriso, que alguns minutos antes era nervoso e falso como de anúncio de creme dental, agora transformava-se, como que num passe de mágica, no sorriso mais belo e sereno que o Claúdio já vira em toda a sua vida. E foi ali, em meio à multidão de parentes e amigos que ria e dava gritos felizes, em meio ao alvoroço das madrinhas que tentavam – em vão – retirar a cauda do vestido da noiva antes que ela subisse na imensa moto, foi naquele exato momento, foi naquele exatíssimo instante, que os dois finalmente entenderam tudo.

Clarice Casado
Enviado por Clarice Casado em 24/01/2005
Código do texto: T2295