Não Quero Genros, Quero Noras!

O despertador dispara seu som estridente e irritante, não há sono que faça com que Firmino permaneça na cama. Com os olhos ainda pesados olha para o ditador do tempo e percebe que ainda é cedo são 05h da manhã, mas, o outro relógio está marcando 06h fica confuso com os horários, aí ele se lembra do famigerado horário de verão. Por um momento recorda dos tempos de infância na fazendinha do Nhô Jerônimo – o tio que o criou e deu a ele uma boa educação – onde não havia horário de verão, e mesmo assim levantavam antes mesmo do que as galinhas por assim dizer. De volta a realidade, hoje Firmino trabalha como assistente de cartório – o único da cidadezinha. Com o corpo pesado e meio desajeitado ele vai se aprontando para ir para o trabalho. Aos quarenta anos tipo bem vivido dentro do possível, porém, muito juvenil, ele caminha rumo à cozinha para preparar o café, simplesmente um café. Enquanto observa a água borbulhar calmamente, fica tentando adivinhar a que temperatura a água irá atingir o ponto máximo de ebulição, será aos 60, 70 ou 90º Celsius no nível do mar? Será mesmo que essa teoria existe, ou eu não prestei atenção nas aulas da Tia Jussara? Não me importo, com ou sem teoria eu vou tomar o meu café!

Do outro lado da cidade, Venâncio ronca sem se preocupar com o tempo. Embora que conscientemente saiba que já deveria estar despertado e se arrumando para ir ao trabalho. Mas o que ele queria mesmo era ir à forra e dormir um pouco mais, mesmo que isso implicasse em chegar mais tarde no cartório – o único da cidadezinha. Enquanto dormia pensava ou sonhava em como melhorar sua situação, pois não queria ser porteiro-recepcionista do único cartório da pequena cidade pelo resto da vida. Por outro lado tinha pavor da lida no campo. Aos trinta e cinco anos Venâncio estava saindo de seu terceiro casamento. Casou-se pela primeira vez aos dezessete anos, todo orgulhoso, pois Joana D’arc era linda de se ver pensava ele e meia população de marmanjos da pequena cidade. Ficava todo empolgado de como conquistara a sua guerreira francesa – simplesmente a conquistara. Aos vinte anos, depois de três anos de felicidade o casamento terminou do jeito que começou – simplesmente terminou.

Perambulou meio atônito com o ocorrido, e deu a volta por cima e aos vinte e dois casou-se novamente, dessa vez era para valer vou casar e ter filhos! Somente filhos, pois não quero ter genros e sim noras! Assim pensava Venâncio. Conheceu Maria da Glória foi paixão à primeira vista, não deu outra e se casou. Cinco anos de felicidade o seguia até que veio a inevitável separação. A causa nem o pobre sabia, a única explicação era a de que sua Mariazinha não estava feliz e o deixou, simplesmente o deixou. Desesperado e jogado às traças não tinha planos nem filhos e muito menos noras. Trabalhava feito um relógio Rolex Made In Paraguai, para esquecer as maldades e mazelas da vida. Vinte e sete anos e nada! Estou do mesmo jeito quando me casei aos dezessete, apenas mais velho, mais entediado e sem filhos. Noras nem em sonhos!

No único cartório da cidade conheceu Carmem Lúcia que acompanhava como madrinha de casamento do irmão mais velho. A princípio Venâncio relutara, mas admitia que a donzela por assim dizer, lhe balançava o coração maltratado há dez anos depois dos dezessete. Carmem Lúcia aparecia-lhe em sonhos, mas estava frustrado demais para se permitir a tentar ser feliz novamente, embora que no fundo sabia que dessa vez seria diferente, pois estava dez anos mais velho, dez anos mais experiente... Então, a solidão e a falta de filhos e de futuras noras falou mais alto, casou-se com Carmem Lúcia. Vivia muito bem obrigado, mas o herdeiro e as futuras noras não vinham. Mas nada lhe impedia de viver feliz – ou pelos menos era assim que ele pensava. Passaram-se oito anos de vida conjugal e nada de filhos. A culpa é dela, nunca vi mulher mais seca! Terminou o casamento do jeito que começou - no cartório, o único da... De tanto pensar ou sonhar levantou-se e foi trabalhar – que se dane o horário de verão!

Cartório de Registro Civil – o único da cidadezinha. Firmino auxiliar do tabelião, conversa com Venâncio, cinco anos mais novo do que ele, mas com cara de ser seu avô – fruto de uma vida desregrada pensava ele. Olhando para o porteiro-recepcionista, Firmino ficava imaginando como um homem mais moço do que ele cinco longos anos, acabara parecendo uma múmia aos trinta e cinco. Como a cidade é pequena e só existe um cartório, todos se conheciam, mas ninguém conhecia Firmino, pois o mesmo não se dava ao luxo de ir as festas que eram realizadas nas fazendas e no salão paroquial da pequena igreja do Padre Bernardo.

Enquanto estavam no horário de almoço Venâncio tentava persuadir o amigo Firmino de ir a uma festa em uma fazenda próximo à fazendinha do Nhô Jerônimo, tio que criara e educara o quarentão com cara de vinte. Quando estavam a caminho do baile, Venâncio fazia planos para conquistar alguma donzela, enquanto Firmino pensava no tédio que era sua vida por causa do trabalho burocrático que realizava no pequeno cartório, o único da... Chegando na festa os dois amigos dançaram com as pacatas moças, sob os olhares atentos dos pais, pois Venâncio já virara figura rotulada nos seios familiares – este não serve para se casar com minha filha! Dizia um pai indignado com o assanhamento de Venâncio.

Firmino queria descansar um pouco, pois, não se recordara se em algum dia de sua pacata vida dançou tanto em uma só noite. Foi o suficiente para despertar em Joana D’arc a ex-guerreira francesa de Venâncio, um sentimento que se confundia com admiração, mas no fundo Joana sabia que era chegada a sua hora de ser feliz e ter filhos – todas as moças pensavam assim, menos quando tinham por companheiro o Venâncio. Firmino fita os olhos em Joana D’arc uma linda mulher de trinta e dois anos, e se depara com um sentimento oculto, escondido havia quarenta anos, pois nunca se apaixonara.

Do outro lado do salão da fazenda, Venâncio se depara com Maria da Glória, um antigo amor e mulher que o abandonara sem alguma explicação plausível. Depois do ocorrido Venâncio se casara e viveu estranhamente feliz por oito longos anos, mas por alguma razão ali estava ele em frente a sua Mariazinha, descobrindo que não tinha mágoas ou receios, e que ainda queria ter filhos, simplesmente filhos. Depois de uma longa dança os dois se grudaram e perceberam que ainda podiam ser felizes.

Firmino dançava apaixonadamente com Joana D’arc – sua princesa naquela noite. Depois do baile na fazenda, tiveram mais alguns encontros e trocas de promessas, e finalmente trocas de alianças no único cartório da pequena cidade – o que causou uma certa frustração em Venâncio, pois Joana tinha sido no passado a sua mais linda conquista, e mesmo com o passar dos anos, o tempo só havia feito bem a ela, estava mais linda que aos dezesseis, tempo em que era casada com porteiro-recepcionista.

Passados nove meses tanto Joana D’arc quanto Maria da Glória, estavam grávidas de Firmino e Venâncio. Firmino de tão feliz não se importava se nasceria menino ou menina, só tinha a plena certeza que ira amar e muito a sua criancinha. Joana D’arc deu à luz a um lindo menino, forte e robusto. Firmino todo orgulhoso dera o nome ao filho de Jerônimo Netto, em homenagem ao Nhô Jerônimo que o criara com muito afeto, pois, o tio era o único parente que Firmino tinha nesta vida. Por sua vez, Maria da Glória deu à luz a uma linda menina, simpática como a mãe – a princípio Venâncio ficou frustrado com a idéia de não ter um filho para que ele lhe desse uma nora, agora estava fadado a ter um genro – como se isso fosse um pesadelo, mas é a vida. Passaram-se vinte e quatro meses desde que as esposas tiveram filhos.

Firmino em um dia normal de trabalho quis agradar o amigo Venâncio, com a seguinte proposta: “Somos amigos há muito tempo, e talvez você tenha sido o meu único amigo durante toda essa minha vida. Estive pensando em selar essa amizade nos tornado uma só família através de nossos filhos”. Venâncio sentiu como se uma adaga penetrasse o seu peito fraco devido ao tabaco. Venâncio olhou para Firmino e ficou indignado, embora não tenha demonstrado. Então justificou: “Nossos filhos têm somente dois anos! Firmino retrucou: “Mas mesmo com dois aninhos eles já se dão muito bem”. Venâncio com a tristeza nos olhos disse: Tudo bem, mas eu quero que saibas de uma coisa, eu nunca quis um genro... meu sonho era ter uma linda nora!

Natalino Oliveira
Enviado por Natalino Oliveira em 08/06/2005
Reeditado em 08/06/2005
Código do texto: T23121