O DIA EM QUE PELÉ ESPREMEU A LARANJA

O DIA EM QUE PELÉ ESPREMEU A LARANJA

(O jogo que poderia ter acontecido)

FlavioMPinto

Tarde quente para os padrões londrinos. Céu cinzento, mas claro. O estádio de Wembley se preparava para seu último jogo de futebol e não era pouca coisa: a decisão da Copa do Mundo de Futebol entre Brasil e Holanda. A partir daí Wembley seria demolido para construção de moderna arena desportiva.

Gramado impecável, estádio lotado, torcedores atentos ao espetáculo que se avizinhava. Seria o confronto entre duas gerações distintas do futebol: de um lado o multicampeão Brasil com seu tradicional uniforme, jogadores e futebol reconhecidos, e do outro, a inovadora tática holandesa, que já estava sendo chamada de Carrossel holandês ou mesmo a Laranja mecânica, em alusão a cor de sua camisa.

O palco e platéia estavam a postos no maior cenário do futebol mundial. A mídia ansiosa esperava um embate de gigantes. Diziam que seria o fim de uma era: a do futebol tradicional.

É dado o apito inicial de jogo. Os holandeses, desde os primeiros minutos, aplicavam com eficiência e constância a tática do impedimento, uma das maiores novidades. Os brasileiros pareciam atônitos e não conseguiam aproveitar siquer um lançamento de seus excelentes armadores. Eram colocados sistematicamente em situação irregular pelos alegres flamengos. Estes, não guardavam posições, girando como se fosse um verdadeiro carrossel, sempre um cobrindo o outro numa mecânica que deixava os brasileiros a não saber quem marcar nem conseguir se articular adequadamente. Sempre havia jogador brasileiro marcado e dois a três holandeses desmarcados.

Pelé não conseguia fazer suas jogadas, pois atuava mais em socorro de seus companheiros ante a avassaladora massa de atacantes holandeses. Na hora de atacar, quase todos se convertiam em avantes. Terrível, porém não conseguiam converter sua tática em gols face a atuação do goleiro brasileiro.

Pelé , permaneceu quase os cinco minutos finais do primeiro tempo dentro do círculo central, sendo até advertido pelo capitão do time, posto que deveria dar mais apoio ao meio-de-campo e a defesa. Era bola para lá bola para cá e o Rei do Futebol só correndo no círculo maior do campo. Parecia mais um espectador e não um jogador do time canarinho. Termina o primeiro tempo.

O time brasileiro sentiu-se aliviado, pois não conseguira encontrar seu futebol e a Holanda, como por milagre não estava vencendo. No vestiário o técnico do Brasil, apavorado, passa instruções e Pelé permanecia inquieto. Não falava. Parecia estar maquinando algo.

O Brasil dá o início ao segundo tempo. De posse da bola, um meia-direita brasileiro faz menção de lançar o ponta-direita e imediatamente a zaga laranja, em desabalada carreira sincronizada, se adianta deixando-o em posição de impedimento. Esse lance parecia repetir todo drama da primeira etapa.

Imediatamente, Pelé fala com os outros jogadores do meio-de-campo, sai de sua posição de atacante e se posiciona entre eles. A bola não chega a ele imediatamente e quando chega os holandeses repetem a tática colocada em prática durante toda etapa inicial.

Pelé continua a correr somente próximo do círculo central, pouco se afastando, quando recebe uma bola afastada da defesa pelo alto.

Estava no campo brasileiro e ao “matar” a bola no peito, o ponta-direita já faz menção de lançar-se no ataque. A zaga e meio-campo holandeses preparam-se para deixar o avante brasileiro em situação irregular.

Pelé, no entanto, com a bola quase quicando no solo, os holandeses já correndo para deixar os brasileiros em impedimento, não lança seu companheiro: dá um toque para frente na bola e ultrapassa os adversários sem bola ficando com apenas o goleiro na sua frente. Foi uma cena inédita em que Pelé corria na direção do gol e na contrária todo time holandês. Gol do Brasil.1 a 0.

O time holandês continuou imperturbável mantendo o mesmo ritmo.

O tempo passa e o jogo fica nervoso para ambas equipes: os brasileiros não se acertando e os holandeses não transformando em gol suas iniciativas. Parecia manter-se o placar de 1 a 0.

Aos trinta minutos de jogo do segundo tempo, mais um lance genial do Rei Pelé.

Escanteio pela esquerda para o time canarinho.

A zaga holandesa rebate caindo a bola para Pelé na zona do agrião, entre a grande área e o meio de campo. Como uma blitz, cinco holandeses velozmente partem para cercá-lo. Com a bola dominada a sua frente, Pelé vira-se e ameaça partir na direção do campo brasileiro. Imediatamente os holandeses armam sua defesa pronta para deixar os adversários em impedimento. Neste momento, o Rei faz meia volta e novamente repete a jogada do primeiro gol: enquanto partem para deixar os brasileiros em impedimento, Pelé parte com a bola dominada na direção da área grande, mais uma vez somente com o goleiro pela frente. E sozinho faz mais um gol para o Brasil.

A tática do impedimento, verdadeiro terror dos atacantes adversários da Holanda, estava sendo derrubada pelo maior jogador de futebol de todos os tempos.

Brasil 2 a 0.