Sangue Sujo - 01

Eu odeio arroz empapado.

João Carlos, aos trinta e dois anos, trabalhava como balconista em uma loja de ferragens, morava com Ivone, de vinte e sete, com quem tinha um filho, Richard, de seis. Era um sujeito muito agressivo, que, ao sair do trabalho, tinha o hábito de parar em um bar qualquer para beber sua cachaça. Sempre chegava tarde em casa, e ao chegar, dava aquela surra na mulher. Ele não tinha piedade alguma, batia muito em Ivone, por qualquer motivo banal. Batia apenas para descontar suas raivas do dia a dia: o patrão que lhe exigia muito o tempo todo, o salário baixo, as discussões no bar por causa de futebol ou política, e ainda, jogava na cara que só estava com ela por causa da gravidez de Richard. Ela sempre dizia que não agüentava mais, e que iria embora, mas morria de medo de fazê-lo, pois ele a ameaçava, dizendo que se fosse, mataria os dois. Então ela se sujeitava as surras diárias, pois ao menos ele não batia no garoto, o que já amenizava a situação para ela.

Certo dia, João Carlos havia brigado no bar com dois sujeitos que estavam a beber com ele, pois discutiram sobre a conta a ser paga. Ele levou uma surra, e foi para casa com um olho roxo, dois dentes quebrados e vários hematomas pelo corpo. Mesmo assim, chegou bravejando com a mulher, que estava no quarto, colocando o filho para dormir. Ele queria jantar. Ela, vendo o estado em que ele se encontrava, não disse nada, apenas foi para a cozinha esquentar o jantar. Ele foi para o banheiro, olhou-se no espelho e lavou seu rosto, que ainda estava com bastante sangue pós briga. Ivone colocou a comida na mesa.

- Já está pronto! Disse ela com voz trêmula.

- Já vou sua idiota! Resmungou ele.

Ela foi para o quarto do garoto, que ainda não estava a dormir. Ele sentou-se à mesa, colocou feijão no prato, e ao pegar a panela de arroz, viu uma das coisas que ele mais odiava: o arroz estava uma papa, todo grudento, aquilo para ele, era muito nojento.

- Ivone venha cá agora!

Ela, ao lembrar-se do arroz, que ao fazer, colocou água demais, já começava a chorar, pois sabia que lá vinha mais uma daquelas surras.

- Paft! Um tapa na cara dela, tão forte que a fez cair no chão.

- Você sabe que eu odeio arroz empapado! Isso é nojento! Você é muito burra! Levanta pra apanhar mais!

Levantou-se, e então, seguiram-se seqüências de socos e pontapés, ela chorava, pedia para parar, mas não adiantava. Ele estava transformado, era a pior surra que estava levando, a pior de toda a sua vida miserável. O garoto saiu do quarto, pulou em cima do pai, tentando fazer com que parasse com aquilo. Mas não, ele o jogou para longe, não estava enxergando mais nada, sequer ligou para seu filho que batera com a cabeça na parede e desmaiou. Em seguida, começou a apertar o pescoço de Ivone, apertou tanto que a sufocou, sufocou até a morte.

- Você sabe que eu odeio arroz empapado! Dizia ele, repetindo por algumas vezes.

Após parar, respirou fundo, soltou o pescoço de Ivone e olhou por alguns segundos seu corpo caído ali no chão. Não sentiu nada, um remorso sequer, virou-se, olhando para Richard, que estava desacordado do outro lado da cozinha, com a cabeça sangrando devido ao impacto contra a parede. João Carlos olhava para aquilo, dizendo:

- Livre! Há! Estou livre de vocês! Dois idiotas que atormentavam minha vida! Há! Há! Há! Há! Há! Há! Hoje eu estou livre!

Estava ensandecido, não sabia distinguir o que era certo do errado. De repente teve uma idéia. Pegou tudo quanto era produto inflamável que estava pela casa, garrafa de álcool, óleo, uma garrafa de cachaça que guardava em baixo da pia, perfumes e desodorantes. Começou a retirar as roupas do armário e espalhou pela casa. Espalhou bem os produtos, deu uma última golada na garrafa da cachaça, antes de jogá-la por sobre o sofá, abriu a válvula do botijão de gás, juntamente com as bocas do fogão, e, por último, esparramando perfume por sobre o corpo de Ivone, ia dizendo:

- Aqui seu perfume fedorento que eu detesto tanto, tome é todo seu! Pra onde você vai precisará muito! Lá no inferno só tem cheiro de carniça!

Foi ao quarto do filho, pegou o boneco que este gostava mais e colocou sobre o seu corpo, dando um beijo em sua testa. O garoto estava vivo, respirando, mas ele nem se importava. Apenas se despediu dizendo:

- Faça uma boa viajem meu filho e até nunca mais!

Pôs um cigarro na boca, ascendeu um palito, depois o cigarro, ia jogar o palito, mas decidiu apagá-lo. Ficou olhando ao redor, pensando por alguns segundos no que estava preste a fazer. Então, ascendeu outro palito e jogou por sobre uma toalha que estava molhada com álcool. O fogo se espalhou pela casa rapidamente. Dirigiu-se à porta da sala, abrindo-a em seguida. Saiu, ficou observando tudo se queimar. Ouviu ainda, um último sussurro, misturado com um choro:

- Papai! Cof! Cof! Me ajuda! Cof! Cof! Cof! Estou queimando papai...

Trancou a porta, virou-se e saiu na noite...

*Um recado à você leitor: Sangue Sujo é uma série que terá várias pequenas histórias, parecidas como esta, e que no desenrolar, irão se interligar. Aguarde...

JRCURTINDO
Enviado por JRCURTINDO em 14/06/2005
Reeditado em 14/06/2005
Código do texto: T24402