Um dia
Olhos perdidos, enquanto o vento emaranhava os meus cabelos, eu olhava para os pinheiros ao longo da rodovia do café. Monumentais como sempre, imensos cálices esperando a água que vem dos céus. Havia algum tempo que não me sentia assim, vazio porém em paz; uma espécie de melancolia prazeiroza; Tudo bem, isso é muita viagem. Digamos então que eu estava cheio cores, todas as cores, que juntas formavam um quase branco divino, assim como a luz que refletia no céu prateado naquele fim de tarde promentendo chover. Agora deve ter ficado claro hein?! Enfim, pra lá de 150 km/h, tinha que manter os olhos semi-abertos para enxergar com todo aquele vento, enquanto Jimi dizia no som: "Fly, oh my sweet angel...". Cada vez mais, me sentia passando para outra dimensão, desejando que não fosse a morte, porém não podia parar por algum motivo interno meu, não do carro, é obvio. A cidade chegava mais perto, ou melhor, eu chegava mais perto da cidade.
Para a minha sorte, quando apareceu a primeira lombada eu consegui diminuir a velocidade a tempo e me dei a chance de continuar vivo, mas a velocidade que as coisas passavam aos meus olhos tinha engatado como um disco riscado. Eu estava enxergando tudo em frames. Como se estivesse sob o efeito de alguma droga. Aliás, já digo antes de qualquer conclusão que não estava e nem estou. O fato é que mesmo mergulhado em imagens distorcidas em relação ao tempo, tudo estava sob controle. Eu dirigia normalmente na cidade, exceto a sensação que o mundo estava girando mais rápido, bem mais rápido.
Um ônibus verde passou ao meu lado (calma, isso é comum aqui). Então em uma das janelas desse ônibus, que passavam como a fita de um filme antigo, meu tempo parou. Naquele frame atemporal estava o rosto de uma menina , que olhava para baixo, provavelmente perdida em pensamentos. Aquilo poderia ser um quadro, ela era tão linda e estonteante, que minha respiração parou pelo mesmo tempo em que os meus olhos apontavam para a sua direção, poderiam ser séculos, ou talvez milésimos. O ônibus parou, a aquela imagem foi sumindo devagar, pelo menos o mais devagar que eu podia andar sem que o transito inteiro parasse. Um vazio tomou conta de mim outra vez, mas dessa vez não havia paz. A melancolia também voltou, mas não havia prazer. E o branco se quebrou em milhares de cores cruas que iam se perdendo no meio do céu já escuro. A chuva começou a cair, agora a guitarra de Jimi gritava desvairada um blues nos meus ouvidos e ele dizia: "Let the good times roll...".
Enfim cheguei no psiquiatra, eu nunca mais tinha parado de tomar os remédios que me impediram de cometer um suicídio na adolescência. Precisava voltar lá para fazer os ajustes do próximo mês. Entrei na sala, cumprimentei-o e sentei na cadeira. Ele ainda olhando alguns papéis me perguntou: -Então, como tem passado ultimamente?