LINDSAY (Pequeno compêndio sobre o amor)

Ela é linda; ela está noiva - ela usa Ponds.

Marcos Rey

A estação chegara mansamente, tal qual a brisa da manhã que adentra a casa e deita em relvas de veludo os corações inquietos. Um corpo morno em vestes de dormir - rosas pétalas de algodão - atravessa a sala. A janela se abre, e o corpo envolto na suave fresca matinal sente arrepios que logo se propagam por toda a epiderme, despertando os louros e finíssimos pêlos espraiados ao longo da delicada superfície de marfim.

Num gesto delicado, o braço esquerdo - delgada garça pantaneira - ameaça alçar vôo. Mas mesmo as garças sabem se deixar render pela quietude dissolvida no ar primaveril e sabiamente postam-se nas copas para em seguida gozarem o seu instante de contemplação.

O sol lentamente ascende ao zênite celestial. Raios tangenciam seus lábios escarlates e indiscretamente revelam sob o tecido um mar de ondas revoltas, capaz de desafiar velhos e experientes pescadores. Seus olhos, porém, são embevecidos por uma doce candura, magistralmente contrastantes com o torpor do qual aquele corpo era capaz.

Alguns param em reverência, outros fazem pequenos gracejos. Ela sorri. Mal sabem o quão exasperar-se-iam caso decidissem trilhar os tortuosos desertos que entremeiam os desejos daquele coração. Certamente padeceriam vítimas do cansaço ou do desespero, acreditando ser o impossível o único destino ao qual seriam conduzidos. Oh, quão tolos! Pois ali, no recôndito daquelas profundezas, está escondido um oásis onde todas as forças pulsantes do universo se convergem por um instante infinitesimal para gerar a eterna pureza do amor.

Lindsay, Lindsay! O seu sorriso emoldurado na janela desdenha todas as dores deste mundo.

Anoitece. O luxuoso casarão abre suas portas. Ofuscando as demais flores do jardim, a orquídea noturna surge na escadaria. Lindsay desenha um ar de satisfação em seu rosto maquiado. Está pronta para receber os colibris da madrugada.

* * *

Goiânia, agosto de 2004. Revisado em 30 de setembro de 2010.

Glauber Ramos
Enviado por Glauber Ramos em 30/09/2010
Código do texto: T2530452
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.