O outro lado da parede.

Era oito horas da manhã daquela sexta-feira, dia propício para comemorarem o 25o aniversário de Suelen, sua namorada e o 4º aniversário que passariam juntos. O namoro já estava caminhando para uma fase onde não há mais volta e o destino final é o altar, com o “sim” dito frente às testemunhas. Ele sabia disso e achava que este seria o melhor momento para assumirem que suas vidas não poderiam mais continuar separadas. Hoje é o dia em que ele a pediria em casamento, como os casais costumavam fazer, em um clima romântico e sedutor. Já planejara tudo. Ia surpreendê-la. Ia encantá-la, como ouvira falar em muitas palestras e lera em muitos livros: “a rotina é o caminho para o final de um relacionamento. É preciso surpreender a pessoa amada”. E era isso que ele iria fazer hoje. Seu plano já estava traçado. Às oito e quinze, ligou para Suelen.

_ Alô!

_ Oi, Su! Já acordou?

(ela)_ Acordei, sim! Vou sair fazer umas compras. Você ligou cedo, algum problema?

_ Estava com saudades!

(ela)_ Ah!!! Então, vem pra cá.

_ Não dá. Também tenho que fazer algumas coisas. Hoje não vou poder ir na sua casa.

(ela)_ Não?!?

_ Não. Hoje, tenho que resolver algumas coisas. Você vai sair à noite?

(ela)_ Claro que não, né, amor! Sem você, eu vou pra onde?

_ Me desculpe! Mas amanhã, eu prometo que vou almoçar com você.

(ela)_ Tá legal. Vou aproveitar esta noite para terminar de ler um livro, que está muito interessante.

_ Tá bom. Nos vemos amanhã. Um beijo!

(ela)_ Outro pra você. Se cuida, tá? Te amo!

_ Também te amo, minha ruivinha!

(ela)_ Eu amo mais!

_ Nada disso, eu é que te amo mais.

(ela)_ Não ama, não. Eu amo bem mais.

_ Ta bom, tá bom. Até amanhã, minha ruivinha!

(ela)_ “Té”...

Desligam o telefone. Ele está sorridente. Conseguiu enganá-la. Agora, tem todo o dia para colocar em dia o seu plano. Antes, ainda quer ouvir a voz de Suelen mais uma vez. Liga, mas dá sinal de ocupado. Decide não perder mais tempo, pois ainda tem muitas coisas para fazer.

Nove horas, ele sai. A primeira coisa a fazer é ir na floricultura. Quer tudo do melhor. Nove e meia, ele entra na floricultura. Conversa com a atendente e combina vários arranjos de flores, rosas, muitas rosas. Combina o horário da entrega: vinte e uma horas, na casa de Suelen.

Onze horas e quarenta e cinco minutos. Ele acaba de fechar o contrato com um grupo musical. Eles tocarão a música que marcou a vida do casal, “Endless Love” enquanto as flores serão entregues e ele entra, triunfante, com as alianças, para fazer-lhe o pedido. Alianças! Quase ia esquecendo. Corre a joalheria.

Treze horas e dez minutos. Após ver vários modelos, opta por um deles. Já sabe o tamanho exato do dedo de Suelen, pois já lhe presenteou com vários anéis. A aliança é cara, mas ele precisa encantá-la.

Treze horas e cinqüenta e cinco minutos, entra no cabeleireiro. Afinal, precisa caprichar no visual. Só sai de lá às quinze horas e quinze minutos. Um vazio no estômago o avisa de que o horário do almoço já passou, mas ele não pode perder tempo. Ainda há muitas coisas a fazer.

Quinze horas e quarenta minutos, sai da rodoviária com as passagens na mão. Pelo celular, faz reservas em um hotel cinco estrelas. Domingo, viaja com Suelen para curtir o noivado.

Dezesseis horas e trinta e cinco minutos. Entra no shopping e visita várias lojas, até encontrar a calça e a camisa que considerou ideais para o momento.

Dezoito horas e quarenta minutos, seu cartão de crédito é recusado, pois já estourou o limite. Paga os sapatos novos com o resto de dinheiro que tem na carteira, e procura um caixa eletrônico.

Dezoito horas e cinqüenta minutos, descobre que está sem saldo em sua conta corrente e faz, no caixa eletrônico, um empréstimo de R$ 1.500,00. Esta noite precisa ser perfeita. Amanhã, verá como irá pagar o cartão de crédito e o empréstimo.

Dezenove horas e dez minutos, liga de seu celular, reservando dois lugares no melhor restaurante da cidade e no “Intimus”, o motel mais “chic” e caro da região.

Vinte horas e quinze minutos, chega em seu apartamento, apavorado, pois corre o risco de chegar atrasado. Toma um banho rápido, faz a barba. Só aí descobre que precisa fazer a barra de suas calças novas.

Vinte horas e quarenta e cinco minutos: termina de fazer a barra das calças, depois de espetar o seu dedo quatro vezes. Liga para o grupo musical e para a floricultura e pede para adiar a sua chegada para as vinte e uma horas e trinta minutos. Combina de encontrá-los na esquina.

Vinte e um horas e dez minutos, consegue finalmente sair de casa.

Vinte e uma horas e vinte e cinco minutos, chega na esquina da casa de Suelen. A floricultura e os músicos já o esperam. Combinam os últimos detalhes. Ele entrará pelos fundos. Depois de tanto tempo de namoro, ele já tem a chave da porta dos fundos. Enquanto isso, as flores serão depositadas em frente à porta e em todo o jardim, pois é um número muito grande de flores. Exatamente as vinte e uma horas e quarenta e cinco minutos, os músicos começarão a tocar “Endless Love”, junto a porta da casa, o que certamente, fará Suelen chorar de alegria e emoção.

Tudo está pronto, o momento é agora. Ele gira a chave na porta dos fundos com todo o cuidado, para que nenhum ruído possa delatar a sua chegada. Esse momento foi cuidadosamente planejado, pois Suelen está sozinha. Seus pais viajaram para visitar uma tia doente, em uma cidade próxima. Só voltam no domingo. Depois de quase quatro anos de namoro, o noivado não poderia vir se não fosse com toda essa pompa. Havia gasto todas as suas economias, mas valeria a pena. Entra na casa e vai caminhando lentamente, passo a passo. Vence a distância que separa a porta de entrada da cozinha, com a porta que dá acesso ao corredor. Avança pelo corredor. Suelen não está na sala, deve estar no quarto. Se aproxima da porta do quarto. Houve a voz de Suelen. Ela deve estar no telefone. Apura mais os ouvidos, se espanta. A voz de Suelen está parecendo muito sensual, apesar de não entender o que ela diz, para estar ao telefone com alguém que não seja ele, seu noivo. Um momento de hesitação. Ele para. Um sentimento de culpa percorre seu corpo: como ouso duvidar dela? Não, não pode ser. Ele chega mais perto, a respiração ofegante. O corredor está escuro, mas as luzes do quarto estão acesas. A porta está aberta. Ele chega junto a porta. Ouve outra voz, dessa vez, de um homem. Senta no chão, encosta-se na parede. Ainda não teve coragem de olhar para dentro. O medo o invade, o suor começa a brotar de sua fronte. A conversa continua, sensual, apaixonada. A voz de Suelen:

_ Isso, bem assim! Continua.

_ Calma, Sue. Calma, não tenha tanta pressa.

_ Não tenho pressa.

Agora ele pode entender o que dizem. Continua sentado no chão, com as costas na parede do quarto, rente a porta. Como ela pode fazer isso? E os anos de namoro, em que ele foi fiel? Ele lembra de tudo. O dia em que a conheceu, na lanchonete, próxima ao seu trabalho. Os primeiros telefonemas, os primeiros encontros, os primeiros jantares. Lembra de tudo e tudo passa pela sua cabeça. As juras de amor, os bilhetinhos deixados em lugares estratégicos. Os “eu te amo” pronunciados, olhos nos olhos. Tudo, ele lembra de tudo. A chuva que tomaram, quando seu carro quebrou e tiveram que ir a pé. As vezes em que não se sentiu bem e ela veio lhe confortar. Os almoços de domingos, com os pais delas. Os planos para o futuro. Do outro lado da parede, a conversa continua:

_ Puxa, Sue! Você hoje está demais!

_ Estava com saudades, né? Há quanto tempo não nos vemos? Três meses?

- Dois. Não faz tanto tempo assim.

Essas palavras chegam como novas punhaladas no seu coração, já dilacerado pela cena que sente e imagina estar acontecendo do outro lado da parede. Dois meses. Então, eles se encontraram há dois meses atrás. Como foi? Onde foi? Foi por acaso? Quem é esse cara, que apareceu para estragar a noite mais perfeita que ele havia planejado?

_ Ora, Sue, você sabe que não posso vir mais vezes.

_ É, sua mulher faz marcação cerrada, não?

_ Pois é. E você também tem seu namorado.

_ Ele não é problema, você sabe.

Claro que ele não é problema, afinal, sempre depositou toda confiança em sua namorada. Quando ela diz que precisa estudar, ele acredita. Quando ela diz que precisa viajar para ver sua tia, ele acredita. Quando ela diz que vai dormir na casa de uma amiga, ele acredita. A confiança é a base para um bom relacionamento. Confiança, juntamente com fidelidade, respeito e amor. Todos esses ingredientes permitem que duas pessoas possam viver juntas. É impossível conviver com uma pessoa, se você não confia nela e sente que ela desconfia de você. O ciúme se aproveita, toma conta, e corrói a relação. Se você não confia na pessoa que convive, é melhor terminar, pois não há clima para o crescimento dos dois. As brigas logo aparecem, é inevitável. E o amor morre lentamente. Somente é possível preservar o amor, com respeito, onde já está implícita a fidelidade, e a confiança. Do Contrário, é melhor terminar. Mas como dói saber que o final está próximo. Contudo, para um relacionamento ser perfeito, também é preciso haver perdão, afinal, todos cometemos algum deslize, ao menos uma vez na vida. É, duas vezes, também é perdoável. Um relacionamento de quase quatro anos, não poderia terminar por tão pouco. Sim, eles mereciam uma nova chance. Ele seria um monstro se acabasse com tudo, por causa de dois deslizes daquela que já provara que o amava tanto. Seria difícil, mas ele estava disposto a passar por cima de seu orgulho e perdoá-la. Teria uma conversa com ela, esclareceriam tudo. Começariam uma nova vida. Muitas pessoas já tinham cedido às tentações. Ele também, não estava livre de cair um dia, frente aos encantos de alguma outra linda mulher. E ele sabia que esses deslizes eram passageiros. Em quatro anos de namoro, duas traições poderiam ser perdoadas. Sim, ele a perdoaria e começariam uma vida nova, do zero, a partir desse momento. Do outro lado da parede, a conversa continua:

_ Então, Sue, onde vamos comemorar nosso aniversário? É no próximo mês. Vamos pro Rio?

_ Há, não! Já fomos no ano passado. Que tal a Bahia?

_ De novo? Não, precisamos achar um lugar novo.

_ Pra Recife, não, né? Já fomos lá 3 vezes...

Nesse momento, uma música suave chega aos seus ouvidos. E ele chora, ao som de “Endless Love”.

Délcio Mores
Enviado por Délcio Mores em 18/10/2010
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