O doutor

— Dizem que é doutor!

— Doutor de que?

— Doutor, ué! Advogado, engenheiro, sei lá... O caso é que tem carro com ar condicionado...

— Mesmo? E possui posses?

— Casas alugadas tem umas três. Tem também uma casa na praia. Deve ter também lancha. Uma beleza de rapaz!

— E já são noivos?

— Ainda não. Ainda!

— E a Lurdete? Gosta dele?

— Como não gostar de um partidão destes? Só se for louca!

— Mas ela é dada a doideiras, cê sabe.

— E não sei que aquela lá tem um miolo mole? Já me cismou de se esfregar com um traste, que não tinha onde cair morto. Cinco anos neste namoro de garota abobada...

— Mas era um rapaz bom...

— Bom pra varrer rua! Não tinha nem uma meia furada! Era um vagabundo! Trabalhava na feira, vê se pode?! Queria mesmo é dar um golpe na boba. Mas agora acho que tomou juízo. Um doutor!

— E este você já aprovou né? É pra casar?

— Com certeza! Agora a Lurdete tomou juízo. Vamos casar eles pra logo! Com certeza ele vai fazer uma festona de noivado.

— Um carro parou na frente da casa...

— É que carro? Será o dele?

— Não sei, não conheço o carro dele...

— Tem ar condicionado? O dele tem ar...

— A Lurdete acaba de descer do carro. Desceu também um rapaz... Ela abraçou ele... Parece que é seu futuro genro. — deu uma risadinha.

— É ele? Porque a risadinha?

— Você nunca viu ele não né?

— Não, mas ela me contou tudo dele. Sei que é doutor, homem honesto, rapaz de bom coração... Que foi? Que cara é essa?

— Nada. Eles estão entrando, vai lá receber ele...

— Claro que vou. E morra de inveja, que minha filha vai casar com um doutor...

E foi pra sala receber o rapaz.

— Não casa!

— Porque mãe?

— Isso só pode ser brincadeira sua! Me arruma sempre esses vagabundos pra me deixar doida! Você vai me deixar doida! Só quem não presta!

— Você que já é doida! Marquinho é uma ótima pessoa...

— Vagabundo, minha filha... Será que ficou cega?

— Um rapaz trabalhador. Engenheiro de multinacional...

— Não presta pra você, minha filha. Será que não percebe?

— Acho que você quer é me fazer infeliz, e... — começou a chorar.

— Pode chorar, pode fazer escândalo, mas com ele não casa!

— Você quer é me fazer infeliz... — chorava.

— Pode até ser, mas eu morro antes que filha minha case com um preto.

E saiu do quarto.

A filha chorou aquela noite toda.

Guilherme Drumond
Enviado por Guilherme Drumond em 06/10/2006
Reeditado em 06/10/2006
Código do texto: T257410