O VELHO

De dentro de seus oitenta e sete anos, ele fecha os olhos para se proteger da algaravia dos netos no corredor da casa, que ele construiu quando ainda era vivo. Não se atreve a ordenar que parem, temeroso que o escorracem. Também de nada adiantaria pedir a intervenção dos mais velhos, que vieram passar o feriado de Finados e nunca mais saíram.

Ultimamente, filhos, netos e bisnetos se confundem. Já não sabe mais quem é quem, quem é o quê. Mistura os nomes e as idades, chega a desconhecer o que foi história e o que foi sonho, o que foi verdade e o que foi inventado.

Precisa ficar atento para que não desarrumem os livros de poesia na estante cinza, os seus preferidos. Também desconfia que descobriram o esconderijo das revistas pornográficas. Há anos convertera-se em um eunuco, praticamente, mas mantinha o hábito de conservar coisas que amara durante a vida –inclusive livros e mulheres de papel.

No final de cada tarde se recolhe, deita-se na cama de onde raramente sai. E a cada manhã, quando é o primeiro de todos a abrir os olhos insistentes, repete a mesma pergunta: “será que ainda falta muito?”

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 14/12/2010
Código do texto: T2671776