TEMPORAL
Chove a cântaros. Preso no trânsito congelado, assiste pelo vidro do carro a cidade parada, imagem chuviscada que embota a percepção da realidade úmida.
Na lama da sarjeta, passa um veloz barquinho de papel que, em seu caminho errante, vence tempestades e abismos. Aventura de criança antiga que destoa do caos cibernético do quarto do filho adolescente. O celular toca insistente. O resto do mundo naufraga em São Paulo.
O rádio avisa que em Minas Gerais as montanhas sorvetem-se, liquifeitas. No Rio de Janeiro, tudo desaba sob o peso imponderável do dilúvio apocalíptico temporão.
Gaia depura-se em fúria vingativa dos vermes que lhe rói a pele, as entranhas e contaminam-lhe a aura atmosférica.
Liga o pisca alerta e conforma-se. O tempo é senhor de si mesmo e aos homens cabe apenas deixarem-se levar, como aquele barquinho de papel, que a correnteza veloz levou, sabe-se lá a que destino. Buzinas, inúteis.