Traído

Entrou.

Olhou para todos os cantos do seu quarto. A cama estava desfeita. Sacudiu a cabeça com o rosto enrugado de raiva e asco. Sabia que fora traído.

Sabia que havia sido enganado.

Traído! E ia encontrar a prova naquele instante!

Começou pelos lençóis remexidos da cama. Procurou sobre o colchão, entre os lençóis em si, olhou embaixo do travesseiro. Olhou o colchão, tateou, tateou. Passou a mão na testa. Nem uma prova da traição.

Abaixou-se olhando debaixo da cama. Nada. Tirou a pistola que trazia na cintura e colocou sobre a cama. Deu uma última examinada nos lençóis e jogou-os num canto do quarto.

Talvez no armário. Quem sabe a prova cabal da sua vergonha. Sim, era lá que iria achar a evidência inegável, algo que esfregar na cara dele. Algo que sacudir enquanto gritava enfurecido que fora traído. Algo que seria jogado ao chão no instante anterior da arma apontada e disparada.

Vingança.

Abriu o armário com força. Só viu as roupas deles. Todas bem arrumadas, alinhadas. Começou a jogar tudo para fora do armário. O chão do quarto já estava repleto de camisas e calças quando apareceu a caixa.

Parou um instante olhando a caixa.

Pegou-a. Sentou-se na cama. Tomou coragem de abrir a caixa que trazia a prova irrefutável da perfídia e da imoralidade. Seu sangue fervia.

Abriu a caixa.

Fotos dos dois. Papéis variados. Um cartão de natal. Uma lembrança escolar do dia dos pais. Mais papéis. E por fim a facada do destino. O bilhete.

Leu o bilhete; A letra feminina, assinado com um beijo de batom. E leu várias vezes, de mão trêmula, a data. Uma semana atrás. Marcava um encontro. Ali, na casa dele. E dizia com requintes depravados de traição: “...me aguarde para fazermos loucuras...”

Era a prova daquilo que há muito tempo desconfiava. Uma mulher havia se metido entre eles. E tudo agora estava acabado. Fora jogado ao chão. Sem honra, traído em seu amor, em seu orgulho.

Sem olhar pegou a arma que estava ao lado. Com sua destreza de policial a mais de dez anos engatilhou a arma, preparando para seu momento célebre a pistola automática: o matar alguém. Toda arma merece uma justificativa.

Aguardou que ele chegasse. Pacientemente. Como uma cobra.

Ele entrou.

Houve um sorriso. Um bilhete sacudido, amassado e atirado na cara. Uma explicação. Gritos. Gritos. Apelos. Choro... um abraço.

Uma arma. Súplicas. Dois tiros.

Depois de quinze minutos... outro tiro.

E silêncio.

Guilherme Drumond
Enviado por Guilherme Drumond em 17/11/2006
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