Sobre sorvete e amor

Numa praça, ele tinha um monte de livros velhos no colo, ela tomava sorvete, ambos sentados num banco qualquer.

– Sabe que eu gosto dela... É compreensível. Quem não sabe o que é amor não entende. Mas na minha cabeça faz muita lógica.

– Acho que você está exagerando. Ela é bonita, eu sei, um amor de pessoa. Mas tudo tem limite. Você está perdendo o senso da realidade. Tudo bem fazer uma loucura. Mas foi exagerado.

– Ah, eu odiava aquele emprego mesmo. E aqui eu posso bolar um negócio próprio. É um pouco por mim também, sabe?

– Querido, você largou seu trabalho, vendeu seu único patrimônio, mudou-se para outro estado, por uma garota que quase não conhece...

– Isso não é verdade!

– É sim! Você não sabe nada sobre ela. Só que se chama Aline, é estudante de direito, e que gosta de gatos. Vocês são quase como estranhos. São desconhecidos. Mal se falaram umas vezes...

– Nos beijamos...

– Um beijo. E daí? Querido, você está maluco. Procure ajuda profissional.

– Você não sabe o que é o amor...

– Sei sim.

– Não é verdade!

– Claro que sei. Eu amo sorvete. Mas nem por isso vendo minha casa pra comprar uma fábrica de sorvete.

Ele olhou para ela e sorriu. Ela sorriu de volta com a colher na boca.

Fizeram uma pausa, como se dessem um tempo pras folhas serenarem do vento. Sem nem mesmo notar a tarde.

– Você já amou alguém?

– Eu?

– Isso. Já?

– Ah... – olhou para longe – Uma vez eu conheci um rapaz. Fiquei muito apaixonada. Mas não durou muito. Foi mais fogo, sabe?

– Sei.

– Eu era muito nova, e acho que fiquei muito impressionada. Ele era perfeito pra mim... Mas isso já é passado. Sabe? As coisas são assim na vida.

Ele mexia nos livros, distraído. Ela mudou de posição no banco.

– Vem cá. Você está mesmo gostando dela, né?

– Você ainda tem alguma dúvida?

– E ela te viu ontem?

– Viu.

– E...?

– Me disse que ficou surpresa. Ficou alegre. Disse que precisamos conversar. Estava usando toca...

– Jesus! Você é um caso perdido!

Ele olhou para ela com os olhos tão transparentes.

– Eu amo ela.

– Eu sei. Eu sei.

Ela pôs a mão no rosto dele.

E a tarde seguiu como sempre.

Guilherme Drumond
Enviado por Guilherme Drumond em 17/11/2006
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