Meu Clube do Coração

Meu Clube do Coração

Na velha gaveta de bugigangas encontro uma velha foto amarelada, era do melhor time que já joguei o Ipiranguinha Futebol Clube, que na tentativa de disputarmos o campeonato municipal, fizemos uma pré temporada de amistosos e ganhamos quatorze partidas direto.

Quando foi para fazermos a inscrição do time alguns dos nossos jogadores se debandaram para outros clubes, e o pequeno grande Ipiranguinha acabou-se. Era time de roça sem grandes pretenções, mesmo por que, todos tinham outras ocupações, pedreiros, carpinteiros, foguistas, ajudantes, motoristas e muitos já tinham mais de 30 anos de idade, casados com filhos e por ai vai...

Na primeira fila de pé estão: Louro que era goleiro e Gastais também, Di, Luiz Sariguê, Serrinha e Praxedes; Agachados estão, João Pequeno, Mateus, Eu, Zezito, Gorô, Tripa e Faustino.

Vestíamos as cores do flamengo porque Di era torcedor desse time e dono do Ipiranguinha, mas isso não tinha a menor importância, pois quando era dia de jogo o campo de Justino na beira do Rio Camboatá enchia de gente e ninguém queria fazer feio. Ninguém ganhava nada, era só pelo prazer de jogar e ver as meninas delirarem na beira do campo, depois do jogo tinha forró no bar de Justino, que era também a sede do time.

Quase todos trabalhavam na cerâmica e depois do expediente os que moravam por perto aproveitavam para treinar no campo do barreiro que ficava na beira do brejo. O time começou a ficar fraco quando deram para trazer gente de fora e pagar para jogarem mesmo que não jogassem nada. Na verdade eramos uns inveterados saudosistas.

Quando o time acabou foi uma tristeza, um dos jogos mais importantes foi contra o Fluminense do Entroncamento, nós ganhamos, não lembro o escore, mas foi um ato de heroísmo porque o time deles estava mesclado com os melhores jogadores dos outros times de Dias D'Avila. Mas lembro que depois desse jogo muitos queriam jogar no nosso time. Uma das ultimas partidas que fizemos foi contra o time da Cerâmica Real que ficava no Rabo da Gata em Camaçari, depois do apito final deu uma briga generalizada e o juiz que era Seu Osvaldo pai de um dos nossos levou uma paulada na cabeça, alguém bateu nele com uma das estacas da cerca.

Nosso transporte era o caminhão e as caçambas que traziam o barro para a cerâmica.

Os remanescentes da equipe fundaram o São Miguel Futebol Clube com a ajuda de Seu Justino agora todos tinham carteirinha com foto, entramos para disputar o campeonato de Dias D'Avila e deixamos de andar de caminhão. Quando a papelada ficou pronta começamos a treinar no campo da Copene lá no Polo Petroquímico de Camaçari á noite e na quadra do Hotel Balneário em Dias D'Avila que era alugada nas quartas-feira.

Edmundo o Di tinha um chute de bico tão forte que no treino ninguém queria ficar na barreira, já o Sariguê o ponta direita era quem mais apanhava dos zagueiros, baixinho,magro e com uma habilidade pra driblar fora do comum, os dois laterais Serrinha e Praxedes também não alisavam, eram do tipo que não perdiam viagem, o atacante podia até passar mas a bola ficava, já Zezito que chamavam de Pai de Santo jogava na ponta esquerda, ninguém sabia como conseguia correr tanto nos dois tempos se fumava que só uma caipora, quando pegava um lateral duro ai sim era que gostava de entortar o coitado , Eu, Tripa e Gastais no meio de campo e lá na frente para fazer gols, Gorô e João Pequeno.

Um dos jogos mais difíceis foi contra o time da fabrica de água mineral em Dias D'Avila, eu nunca tinha visto tanta mulher na beira de um campo para assistir um jogo de futebol, que foi no campo deles, não teve quem não tomasse pancada nesse jogo que quase acaba em briga, é que aos dez nos metemos minutos nos 1x0 e dai por diante neguinho só queria fazer firula pra mulherada na beira do campo que delirava a cada drible, e esquecemos de jogar bola, mesmo assim ganhamos de 2x1, mas perdemos três jogadores machucados para os jogos seguintes, o que fez falta pro jogo contra o Vasco do Bairro do Genario, mas ganhamos do Fluminense do Entroncamento.

Meu time do coração nasceu meio sem querer, estávamos acostumados a aproveitar todos os feriados, dias santos e de folga para pegarmos o baba, até mesmo quando largávamos o serviço a tardinha, muitos não resistiam a um bate bola até escurecer.

E assim nasceu o Ipiranguinha que não teve vida longa mas foi brilhante enquanto existiu, mesmo quando não tinha jogo nem forró na sede o assunto nas rodas de baralho, sinuca e dominó era sempre o Ipiranguinha que passou a ser o orgulho dos moradores do Camboatá.

Como ninguém tinha pretensão de ser profissional o tempo foi se encarregando de dar cartão vermelho a todos, deixando nos de fora das quatro linhas, alguns viraram evangélicos, outros foram embora e alguns morreram, mas tem os que continuam como outrora, pegando uns babinhas para irrigar as lembranças, só envelheceram, porque o tempo não para.

Hoje eu fui além das quatro linhas que delimitam as imagens desta velha fotografia, e consegui até fazer um gol no time do tempo que não para nunca.