A Conversa

Duas da manhã e um pedido de trégua. “Vamos sem brigar”. Ela não entendia que ele não a queria como amiga e ele não queria enxergar que ela não gostava dele. Ela queria um fã, ele precisava de um beijo. Foram assim mesmo.

Chegando lá, os dois se separaram no primeiro momento. Ele ficou seguindo-a com o olhar. Ela querendo encontrar alguém para poder provocá-lo. Ele bebia muito. Ela ria.

Ele era muito mais chato que ela, mas resolveu encontrar alguém para passar o tempo confiando que conseguiria ser agradável.

Os conhecidos vinham cumprimentá-lo, perguntavam como ele estava, mas ele... Ele não estava nada bem. Ela dança agora e parecia estar de fato interessada no dançarino. Ela foi ao banheiro. Ele se aproximou de cara, engoliu seco e perguntou:

– Você dança profissionalmente?

– Não. Só quando estou bêbado.

– Mas deveria. Você é talentoso e só os medíocres deveriam beber.

- E você, faz o quê?

– Eu? - não queria falar de si próprio. – Eu só pergunto.

– Eu só perguntei porque acho que você deve ser talentoso em alguma coisa. Você é triste.

– São sinônimos?

– Quase sempre. Nota-se pela qualidade de suas perguntas. De fato, ele não estava acostumado a conversas muito profundas, não por não gostar, mas por não suportarem o modo como ele entendia “aprofundar uma conversa”. Um chato.

– Você não é chato. O chato não se acha chato.

– Então, todos que não me suportam é que são chatos?

– Com certeza.

Ela passou por eles e não gostou do que viu. O dançarino tentou chamá-la, mas ela fingiu que não ouviu e foi com as meninas.

– Já reparou como aqui no Rio as pessoas se paqueram? – ele nem ouviu a pergunta, estava de olho nela...

– Desculpa. Não, não reparei. Aliás, acho que comigo isso não dá certo.

– Mesmo?

Ele não era burro. Entendeu muito bem o que o dançarino quis dizer com isso. Sentiu que deveria e pediu:

– Me dá um abraço?

– Claro!

Abraçaram-se e ele chorou no ombro do cara. Ela viu. Só não viu as lágrimas. O dançarino, sensível à sua dor, partiu para uma descontração.

– Você não é daqui.

– Não, não sou. Cara, desculpa. Eu não estou bem. Não queria estar nem aqui.

– Queria estar onde então? – com certa malícia.

– Em lugar nenhum. Inclusive aqui.

O rapaz riu bastante:

– Um chato não diz isso...

– Eu vou escrever alguma coisa sobre você.

– Ah, você não só pergunta? Escreve também!

– Sim. E vou escrever algo sobre a bondade. É. Esse será o tema. Você é bom.

Sentiu-se à vontade e disse tudo o que entendia por bondade e não-bondade. Antes de questionar Deus e sua existência, o homem deve questionar se o bem existe ou não. E provar. Tudo isso para descobrir que, bem ou mal, a solidão vai acompanhar a ambos. Pediu licença para se sentar e, antes que fosse acompanhado pelo dançarino, uma música a que este não resistiu o fisgou e ficou rodeado imediatamente de garotas querendo seus passos.

O chato consolou-se sozinho:

– Por ela eu sei sofrer. Por ele, não saberia...

Marcos Baô
Enviado por Marcos Baô em 05/12/2006
Reeditado em 06/12/2006
Código do texto: T309750