O "Encanto" das putinhas...

Não posso me identificar porque o cenário dessa história são os bordéis de nossa região e, certamente, alguns cavalheiros, ao decorrer de minha escusa narrativa, saberão muito bem quem é o senhor que a protagonizará.

Serei breve e, creiam: o que estou para contar, caros leitores, é – na menor de ínfimas hipóteses – curioso. Podem acreditar-me.

O nome desse cavalheiro, não será usado para que sua família, mesmo que divertindo-se aqui com suas peripécias, nem sequer suspeitem, já que ele próprio nem poderá assumi-las pois faleceu há algum tempo. E, para referir-me aos meus mui estimados coadjuvantes, usarei de letras inicias meramente fictícias.

Muito bem, chega de suspense.

Estávamos eu, J. C. de A. F. e G., D. C. e M. L. R. bebendo num pequeno boteco, o botequim que freqüentamos até hoje, quando X., nosso protagonista, chegou muito cabisbaixo, com ares de estar cheio de problemas, morto de “sede” e de bolsos vazios. De pronto, M. L. R. chamou para que se sentasse conosco enquanto J. C. de A. F. e G. pediu mais um copo, D. C. acendeu-lhe um cigarro e pôs em sua boca e eu me pus a ouvidos, caso quisesse contar seus problemas pois que, como bons machos e maçons, o sigilo de tudo o que ali se contasse seria de um segredo assim comparado apenas ao silêncio sepulcral. Notem como o que estou para contá-los deixa-me inspirado, “modéstia às favas”, como diria o saudoso B. R. dos S....

Antes de falar, deu um profundo suspiro, um trago de fumaça, outro de cerveja e quando pôs a mão direita sobre meus ombros, seus olhos de pronto marejaram. Imaginem os nossos!

- Fala de uma vez, homem, antes que você nos mate – eu disse.

- De angústia!

- Não, D. C., de curiosidade!

- Então, façam silêncio – gritou M. L. R.. Vamos X., estamos aqui para isso.

X. tudo contou. E, olhem, era uma saraivada de injustiças que seus sócios estavam aprontando nas contas, problemas com sua saúde, suspeitas de infidelidade em seu lar, fazendo debulhar em lágrimas até o árido J. C. de A. F. e G. que, com o rosto marejado, encerrou a lamúria:

- Ah, mas vamos deixar essa tristeza dentro desses copos vazios e vamos beber naquela casa onde se compra felicidade e lindas mulheres vêm entregar! – uma gargalhada geral. X. (parecia) consolado...

Fomos. Lá chegando, nem precisaria aqui mencionar que X. não teria qualquer despesa: bancaríamos X. em tudo! Pois bem. Demos a largada! Estripetises, sushis eróticos, tequilas muy calientes, até que cada um preterisse com qual faria aquilo que muito bem subentendeu-se aqui.

Mas aí, repentinamente, aquela nuvem negra parecia estar sobre X. novamente. E, de fato, ela já estava lá...

A tensão foi tamanha que M. precisou correr para o banheiro antes que chorasse, eu virei de costas com minha pequena marsupial, mas não teve jeito: J. C. já estava aos soluços e as duas senhoritas sentadas em seu colo também abriram o berreiro ou, as comportas, termo mais condizente. A mudança de tom aconteceu quando M. voltou do toalete e viu sua odalisca ajoelhada aos pés de X., chorando como se tivesse acabado de ser condenada à morte por seu sultão. Intrigado, M. brincou:

- Fulana, você está rezando nele?

- Não...

- Então, que putaria é essa?

- Estou sofrendo com o que “Encanto” me disse. Como ele é puro...

- “Encanto”?

A verdade é que seu nome não era e nem nunca fora “Encanto”, mas assim identificou-se no bordel, apresentou-se às beltranas, e até rimos na hora um pouco disso, uma vez que certa preocupação já tinha contaminado os lordes. Minha vez de ausentar-me até o lavabo da espelunca. Nunca deveria ter feito isso pois, igualmente, jamais imaginaria que ficaria tão colérico quando a mesma “engraçada” cena que “Encanto” proporcionou a M. e sua odalisca aconteceu comigo...

- Minha marsupial, não! – acreditam que eu fui ridículo ao ponto de gritar isso? E não parei por aí não, fui além: mandei um candelabro vagabundo que estava sobre a mesa para queimar X. e quebrar a cara de “Encanto” ao mesmo tempo. Sim, tratava-se da mesma pessoa, mas eu estava vendo dois naquele momento, o que obviamente me fez errar o alvo. E o efeito desse erro foi um bumerangue que veio pra cima de mim, literalmente.

Minha marsupial foi a primeira, arranhando minha cara com unhas de rapina. A odalisca de M. não sabia se me enforcava ou se esmurrava meu estômago, enquanto outras – e quantas outras... – cuspiam, me chamavam de V, FDP, mandavam eu TNMC, além de chutarem as B do meu S.

- Que poder hediondo tem esse X.... Um encanto macabro! Pensava, enquanto me recuperava no colo de D. C., o que também gerou comentários...

Perdemos a amizade nesse dia e para sempre, pois a raiva misturada à inveja que senti de “Encanto” a partir daquele dia, dominaram meu coração, principalmente por ter sido ele próprio quem fez o favor de ordenar que cessassem os ataques e tentar me tirar do chão. Não aceitei sua mão, e ele me disse:

- X. é meu nome, “Encanto” sou eu. Nada posso fazer – ah, que ódio dessas palavras!

É certo que ele irritou muitos outros homens ao longo dos anos, mas em vão: ele não poderia ser criticado por saber fazer que todas as putas chorassem, muito menos ser condenado da façanha de conseguir que todas as putas fossem com ele para a cama, sem gastar um centavo sequer! Quando questionadas, pelo porquê de excêntrico comportamento avesso à tal antiqüíssima profissão, diziam suspirando:

- “Encanto” é puro...

Soube de sua morte com muito pesar, pois sua amizade me fez e fará muita falta. Fui nesta funesta noite sozinho chorar sua morte no mesmo bordel, onde já a triste notícia havia chegado. E ninguém derramava uma lágrima que fosse! Quando perguntei “por quê?”, dando um belo de um tapa na mesa, todas em coro suspiraram:

- Puro “Encanto”...

Gabriel Garcia Marquez teria escrito um conto sobre X., se tivesse o conhecido, pensei. Paguei a conta e voltei pra casa. Sinto muito em ter quebrado o sigilo, mas a vontade de imortalizá-lo me fez não mesurar os meios.

Assinando,

A. T. U.

Marcos Baô
Enviado por Marcos Baô em 05/12/2006
Reeditado em 27/05/2008
Código do texto: T310192