Conto - Reféns de um segredo

Hoje fiz uma descoberta extraordinária.

Engraçado que era de se esperar, para ser sincera, ou não era, sei lá. Certo é que se continuar enrolando você nunca vai entender.

Vamos do início. Sou uma das três filhas de meus pais. Nossa família não consiste apenas de meus pais e irmãs. Meus pais, mesmo sendo muito ricos e bem nascidos, sempre aceitaram com parte da família alguns dos funcionários mais fiéis. Entre eles estão Beto, filho da secretária de papai, Amanda a secretária da mamãe, Joelma, nossa ama de leite, Farina, o contador, Cláudio, o filho de Fátima e Damião, nosso jardineiro. Bem, a Fátima até ontem.

Nossos dias sempre foram cheio de vida e alegria com todo este pessoal. Os flhos de Farina são nossos amigos e costumamos combinar programas entre nós. Beto namora uma de nossas amigas e trabalha no banco do pai dela, Claudio trabalha com Celina, desde que se formou, como advogado, e são sócios. Além destes, existem outras pessoas que circulam por nossa casa desde minha infância.

Das três filhas, eu sou a adotada. Por causa de minha chegada, meus pais pararam de tentar um menino, mas eles estão bem feliz com suas princesas, como sempre dizem ao se referir a nós.

Confesso que nunca me importei com o fato de ser adotada e nada sabermos sobre meus pais biológicos. Nunca fui atrás deles, como cheguei ser aconselhada por uma de nossas amigas, mas nem me importei com o fato. Olhando para trás, vemos hoje que teria sido melhor.

Havia um segredo em nossa família, algo que nossos pais nunca esconderam de nós e tem a ver com Fátima. Ela veio trabalhar em nossa casa 5 meses antes de eu chegar – fui deixada na porta de meus pais e era uma pouca mais velha que isto, mas não sabiam minha idade ou data de nascimento. Fátima veio encaminhada por um amigo de papai. O genro de João Vagner tivera um caso com Fátima e ela ficou grávida, mas ele a deixara para se casar com a filha do patrão. João Vagner descobriu isto quando Fátima estava para ter o filho. Nem pré natal a pobre conseguira fazer. Ela chegou à nossa casa sem o filho, que fora tirado dela ainda no hospital de forma grosseira e ninguém nunca entendeu ou conseguiu explicar, apesar das investigações. Os médicos assinaram o atestado de óbito de um menino, mas tanto João Vagner quanto Fátima garantiam que a criança que nascera era uma menina.

Os anos passaram, vivamos uma vida comum, sem grandes novidades, mas papai e seu amigo estavam sempre procurando a criança perdida de Fátima, que de cozinheira passou a governanta e viveu conosco desde então.

Primeiro vieram nossos namorados, depois os filhos, Celina, minha irmã mais velha tem 3 meninos, eu tenho duas meninas e Clara tem 2 casais. Não conseguimos nos separar de nossos pais e nossa grande família, por isto, quando Clara casou, papai comprou uma fazenda perto da capital e ali formou o que o povo chama de solar. Para nós é apenas a nossa casa. E nem é uma casa apenas, são chalés ao longo de uma casa grande, onde fazemos quase todas as nossas refeições e vivemos a maior parte de nossos dias.

Claro que temos nossas vidas fora da fazenda. Cada uma de nós tem sua profissão, Celina dirige seu escritório de Advocacia, herdado de vovô com braço de ferro, junto com Claudio, que é tão requisitado como ela e já há 10 anos, tem seu nome na sociedade.

Clara é uma decoradora conceituadíssima e eu sou administradora do Colégio Frame, que esta na Família a mais de cem anos. Claro que com o advento da tecnologia, nossa vida é hoje bem mais fácil. Há muitas coisas que podemos fazer por telefone e internet e muito do que fazíamos fora da fazenda podemos fazer direto de lá.

Assim, estamos sempre por perto. Sempre que um precisa, todos estão prontos a ajudar. Nosso modo de vida afasta as pessoas de nossa classe social, o que não nos incomoda, os poucos que ficam de nosso lado são os verdadeiros amigos e isto nos basta.

Acontece que nos descobrimos vítimas de uma sordida vingança. Dois anos atrás Fátima recebeu uma carta anônima que lhe informava que ela estava certa, sua filha estava viva e vivia mais perto dela do que ela podia acreditar.

Meus pais foram informados de pronto e daí comearam novas investigações que acabou por me fazer escrever este relato.

Desde que descobriu que sua filha estava por perto, Fátima começou a sofrer muito, definhar, ao contrário do que todos nós esperávamos. Ela foi adoecendo e nada do que podíamos dizer, fazia com que ela voltasse a ser a nossa companheira fiel. As crianças viviam ao seu lado e era as poucas vezes que a víamos sorrir, mas mesmo assim, nada da alegria que conhecemos sempre.

Cláudio e o pai fizeram de tudo para anima-la também, mas ontem infelizmente perdemos Fátima. Seu coração não resistiu e ela morreu serenamente, sentada em sua cadeira de balanço, no seu chalezinho. O que nos surpreendeu foi que ela morreu com algo na mão.

Ele foi encontrada por Aimê, minha sobrinha, que viera chama-la para jantar e a encontrou dormindo de “olho aberto, mamãe!”

Claudio e Celina organizaram tudo nossa Fátima mudou-se de nossa casa para o jazigo da família. E quase leva consigo a solução do segredo que cercava sua vida e, para espanto de nossa família, as nossas vidas também. Nas mãos de Fátima estava uma carta e a sua frente uma lamparina acesa – que nunca usamos, elas fazem parte da decoração da casa grande.

Na carta, que desta vez estava assinada pela filha de João Vagner, estava escrito que a filha dela tinha sido deixada na porta da família Alcântara aos 7 meses de vida.

Alcântara é, como vocês sabem, o sobrenome de nossa família e a filha de Fátima sou eu.

Ontem sem saber, enterrei minha mãe.

Elisabeth Lorena Alves
Enviado por Elisabeth Lorena Alves em 15/11/2011
Reeditado em 13/07/2022
Código do texto: T3337563
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