Páginas (avulsas) da vida _ outras

Páginas (avulsas) da vida _ outras

Terezinha Pereira

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A primeira tela, ela pintara com as tintas da emoção. Raiva. Saudade. Sobras de um abandono seco após deleitáveis dias de um tempo de amor suposto desmedido.

Da primeira, vieram outras _ sôfregas, portentosas, tintadas de sol, de mar, de verde, de pássaros em profusão. Prêmios aconteceram como coelhos na cartola. Fez-se uma artista de poder. Entre tanto e tantos, ele nunca voltou........

Dor maior chegou-lhe com um duplo vazio. Alguém viu o sangue por baixo da porta. O primeiro quase lhe esvaiu a vida e o outro fê-la desaprender como riscar, baralhar cores, soltar pássaros a voar sobre o mar.

Onde hoje vive, é aquela que brinca de boneca, dia e noite. Pelo vão da cabeça de uma boneca de louça, ela enfia e move sua mão e fixa-se no abrir e fechar de olhos que suscita no seu brinquedo de menina. Noite e dia.

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Ontem, desgostado de ouvir vozes, dele mesmo e do mundo, que lhe proclamavam faça assim, faça assado, guarde para o futuro, arranje uma boa mulher, faça uma boa faculdade, arranje um bom emprego, ele decidira vaguear pelo mundo.

Vendeu tudo que julgava haver construído, menos o violino que aprendera a tocar de menino. Se os que ficaram disseram que se tornara um vagabundo, ele se pensa um viajante que compra apenas passagens de ida. O violino lhe garante o comer e o dormir de cada dia em cada terra de língua estrangeira que percorre. O amanhã é amanhã.

Hoje, ele só ouve a sua voz.

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Conheceram-se na universidade, no findar da meninice. Daí, versaram a filosofia, as letras, o mundo, a noite, a história da cidade grande, o mar. Foram unos. Ele amou a amada e ela amou o amado. Se amor de paixão ........ se paixão de amor........

Venceu o tempo do estudo e a amada se viu puxada de volta. Seriam os cordões das raízes ou resquícios do cordão umbilical? De volta a terra, se alguma vez, rogou do amado companhia, essa ele não lhe permitiu. Era também preso por cordões.

Nesse tempo, a amada criou brotos, copou-se, frutificou. Na cidade grande, cheia de história e de mar, ele também criou brotos e copou-se. Permanece como uma árvore frondosa_ única_ bem no centro da universidade.

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Passado o tempo da faculdade onde se formara com louvores, meio a diversos pretendentes, ela se decidiu pelo colega que lhe parecera mais prático. E viveu quase trinta anos de uma vida morna, com um marido insípido, adornada com as mais finas jóias, circulando em tépidas festas ou solenidades políticas. Até que lhe chegou às mãos uma carta não datada.

O autor da missiva revelou-se como um “ghost writer”, o que escrevera para seu marido senador todos os discursos, desde a primeira campanha há anos passados e também todos os bilhetes e cartões que esse lhe mandara junto com as preciosas jóias que lhe oferecia a cada comemoração. No final da carta, sem piedade, ele lhe avisa que é um autor defunto. Que essa havida sido escrita há muito, quando uma doença grave já lhe extinguira todas as esperanças e que seu advogado havia sido orientado a postá-la, quando tivesse passado mais de um ano após a sua morte.

Hoje, ela vive noites quentes, a sorver cada palavra da confissão de um amor nunca vivido.

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 18/01/2007
Código do texto: T351118