O problema de Sebastião pt. III

Mais tarde, foi chamado o servo medroso por Satanás.

-Meu servo, fiquei eu muito feliz por sua precisão, mas te digo uma coisa: ainda não confirmei esta tua estória. Sabes tu que mentir no meu reino é pecado e o castigo vem em dobro, por isso se for esta mentira tua, confesse-me logo com um perdão, que por acaso será negado, pois com mentiras não sou tolerante.

-Meu senhor, me entristece perceber plantada em ti a semente da desconfiança. Porque iria eu estar mentindo de maneira tão convicta e suja? Sou eu desocupado, mas nos meus momentos de ócio prefiro produzir bens a favor do meu egoísmo do que contar mentiras. E não seria a ti que iria falar palavras tão descaradas, pois sou consciente do teu poder e da tua impaciência por mentiras.

-Pois bem, me sinto convencido por tua fala. Irei daqui a dois dias ao céu, negociar com Deus. Quero que vá comigo, se não lhe faltar vontade, para que sirva de testemunha para o nosso trato.

-De acordo Satanás, creio que não irá te faltar alegria ao assinar o contrato. E ficarei de ouvidos acordados, pois se ouvir qualquer nova estória por aí serei o primeiro a te contar.

Foi-se Sebastião atrapalhado, num estado de choque raro, caindo pela falta de força nas pernas nervosas, pensando em como poderia resolver o caso.

***

Eis que, naquela noite, de tão atormentado, ficou sonhando acordado, Sebastião. Uma insônia maldosa nele ficou impregnada e por vários momentos, o servo se arrependeu de ter a Satanás contado a estória miserável que havia confundido. Chorou por uns momentos de desilusão e se ajoelhou por minutos e minutos para rezar em busca de uma solução.

“Como fui um besta ignorante de ingênuo coração! Sou eu tão jovem, tão pouco vivido, com tantas idéias virgens de aventuras proveitosas, de sabores desconhecidos, de tantas poucas estórias dignas! Isto há de ser um sonho inacabado de alguém que estará sempre em sua cama prostrado? Não creio, mas quem dera ser eu tão crente nesta idéia cômoda e feliz! Pois hei de prometer algo que ainda pensarei com muita cautela, caso tal desgraça finde com sucesso para mim e realizarei minha promessa com muita felicidade ao saber que este caso chegou ao fim”.

Com muito cuidado pensou Sebastião na promessa que havia prometido, pois havia de ser jurada com vantagens para si sem que sua dignidade fosse retirada. O servo preocupava-se muito com sua dessemelhante imagem, tão desinteressante aos olhos alheios: um ser grotesco, torto, descuidado, bufado, fedido, mofado, orgulhoso, incivil, grosso, incolor, insípido, desastrado, desajeitado,...

***

Só ao amanhecer escolheu com o seu desesperado discernimento o melhor a fazer.

“Se Vosso Senhor Rei dos Céus, digo Deus, não estás atacado com as questões sem respostas, irei eu até os céus para que O faça pensar! E que eu realize as provocações com os mínimos cálculos, pois terá Ele que vender o céu a preço de farinha como contei em todos os detalhes ao Senhor Satanás”.

Ainda traçou em sua mente um planejamento da sua viagem, para que tudo decorresse dentro dos conformes e das demais possíveis situações imaginadas.

“Plano melhor não há, creio eu. Só preciso de uma vestimenta angelical e bem tratada, pois é de obrigação minha que esteja tão alinhado a ponto de que aqui ninguém me reconheça e que seja até estranhado por esta população grossa e imunda. Pois hei de chegar aos céus como o anjo mais bem traçado, encantado... serei perfumado pelas mais belas rosas. Terão, os anjos de lá, olhos de inveja para o meu lado, e das anjas... ah... terão elas os olhos hipnotizados, admirados, desvairados por minha beleza! Não precisarei de asas para voar, pois deixarei que as mais lindas anjas me levem, como súditas, imediatamente para Deus, assim que eu pedir. Tenho a certeza do meu sucesso e voltarei aqui sem que Satanás ou qualquer ser desta terra tenha percebido minha ausência”.

Assim tentou fazer com o máximo de eficiência e fidelidade aos seus pensamentos.

(Continua na parte IV agora)

Calor do cão
Enviado por Calor do cão em 22/01/2007
Reeditado em 29/01/2007
Código do texto: T354720