TEMPO DE GABIROBRA

Nem precisa dizer que tempo de gabiroba lembra tempo de infância... Campos ainda não devastados pela evolução...
Saudosos tempos aqueles, quando de manhãzinha, minha família subia o espigão rumo ao pequeno cerrado que circundava o velho rio. Isso acontecia sempre no domingo. Na noite anterior meu pai e minha mãe combinavam o passeio para colher gabirobas. As crianças nunca iam sozinhas. Respeitávamos essa tradição de ir a família toda reunida. Nunca questionamos isso e também nunca fomos sozinhos a esse passeio anual.
Naqueles domingos, em finais de novembro ou início de dezembro, meu pai se levantava bem mais cedo do que o costume para ordenhar as vacas de modo que quando o sol nascesse já estávamos subindo o espigão rumo ao nosso pequeno pomar nativo. Mamãe não permitia nem que tomássemos o tradicional leite com café. Poderia fazer mal ao estomago. Naqueles tempos havia tantos mitos referentes à alimentação. Mas obedecíamos sem questionar.
Nessas manhãs maravilhosas de sol e de orvalho, caminhávamos apressados em estreitas trilhas em meio ao capinzal baixo assustando pequenos insetos que já faziam sua alvorada matinal numa orquestra sinfônica cujo maestro era um ser supremo invisível aos olhos. Entre os insetos lépidas borboletas que dançavam seus balés de flor em flor, a maioria margaridas amarelas que salpicavam o pequeno cerrado transformando em um extenso jardim.
Não era longe o campo de gabirobas, e pouco tempo depois de subir o espigão já se avistava ao longe as primeiras moitas baixas de gabirobeiras carregadas de pequenos frutos meio amarelados parecidos com pequenas goiabinhas.
Papai e mamãe então faziam as últimas recomendações como ter cuidado com cobras que com certeza poderiam se esconder entre o capinzal.
Últimas instruções... e cada um procurava regalar com o que pudesse colher e saborear daqueles suculentos frutos com sua polpa suculenta e meio esverdeada.
Nunca nos divertimos tanto naquelas manhãs de domingo e se sol. Era lindo de se ver: uma família que se unia para apreciar o que a natureza oferecia. Hoje eu vejo o quanto esses momentos eram sagrados.
Infelizmente, pouco tempo depois o nosso pequeno cerrado se viu transformado em lavoura de arroz e nos anos seguintes em pastagens para o gado. Os pés de gabiroba foram destruídos sem piedade e nunca mais eu vi aquele campo aberto enfeitado de pequenos frutos.
Sua extinção se deu por causa de certo progresso que dizem necessário à sobrevivência. Entretanto daqueles campos eu não vi nada que justificasse sua destruição. Não ficamos ricos por isso e nem saímos da classe a qual pertencemos a vida inteira. Daí a razão de eu não aceitar certas mudanças.
Agora percebo que muitas coisas se perderam através de lâminas frias em nome de uma globalização que se dizem necessária. Felizmente ficaram as lembranças vivas como o frescor daquelas gabirobas. E uma infância que corria solta naqueles velhos cerrados...

 
Sonia de Fátima Machado Silva
Enviado por Sonia de Fátima Machado Silva em 08/06/2012
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