PORTUGAL

A chuva trouxe-me de volta a realidade. Ao longe relâmpagos clareavam as nuvens escuras. Ventos sopravam ordens de evacuação. Eu, percebendo os riscos de ali permanecer, saí em busca de um abrigo onde não houvesse a possibilidade de ser atingido por um raio. Já alcançando o calçadão me virei e vi que rapidamente se aproximava a tempestade. Um relâmpago clareou toda a praia, fazendo-me temer por um enorme trovão, porém ouvi apenas um leve barulho ao longe, sinal de que relâmpagos ainda mais carregados estavam por vir.

Eu gostava de olhar o mar, fazia-me bem aquela imensidão. Naquele dia estava a imaginar uma viagem a Portugal. Eu sabia que Portugal ficava ao norte, a milhares de quilômetros de distância de onde eu estava. Cidades como Funchal, Porto, Sintra, Fátima, Lisboa, alimentavam meu desejo de atravessar aquele mar. Havia ainda a meu favor o mesmo idioma – o belo e rico idioma português. Um trovão ecoou sobre minha cabeça, algumas pessoas que se encontravam na barraquinha de vender coco entreolharam-se, disfarçando a sensação de medo causada pelo enorme barulho. Pedi uma água de coco e, caminhando rapidamente pelo calçadão fui para o apartamento onde morava, o qual ficava a uns trezentos metros da praia. Lá chegando tive que subir seis andares pela escada, devido à falta de energia motivada pela tempestade. Uma revista sobre a mesa tinha como manchete – O Fado de Amália Rodrigues. Eu adorava ouvir Amália Rodrigues, mas novas fadistas também me tinham conquistado como Mariza, Carminho, Ana Moura, Cuca Roseta, Maria Ana Bobone, Dulce Pontes, entre outras.

Minha ligação com o mar levara-me ao fado, assim como o frevo de bloco, música originária do Recife, minha cidade natal, me levava a navegar nas águas de seus rios. Ambos, o fado e o frevo, embora bastante diferentes, trazem sentimentos que mesclam amor e saudade. Um frevo muito cantado, principalmente em nossos carnavais, diz: “É lindo ver o dia amanhecer com violões e pastorinhas mil" um outro “Vejo o Recife prateado à luz da lua que surgiu, há um poema aos namorados, no céu e nas águas dos rios.” Difícil não se emocionar! Enquanto eu cantarolava frevos e fados, músicas que mais recordações me traziam, lá fora a chuva caía anunciando o início do inverno. Passados aproximadamente uns quarenta minutos a tempestade passou, a energia voltou e a realidade foi aos pouco retornando – hora de preparar-me para ir ao trabalho. Alguém bateu à porta. Terminei de vestir-me rapidamente e fui atendê-la - era minha vizinha do quarto andar, ela cumprimentou-me entregando-me um prato com alguns bolinhos de bacalhau. Entendi a mensagem: Ela me escutara cantarolando fados e trouxera-me aqueles bolinhos, tão apreciados pelos portugueses. Pedi-lhe desculpas por incomoda-la com minha cantoria. Ela, sorrindo, disse-me ter ficado muito feliz por escutar-me cantar e que a falta da energia contribuíra para isso. Percebi, pelo sotaque, que ela era portuguesa e convidei-a a entrar. Ela agradeceu dizendo ter algo urgente a fazer, deixando evidente certo desconforto ao olhar para mim. Quando ela se foi, ainda com o prato na mão, observei que estava com a camisa pelo avesso, além de desabotoada. Tive raiva de mim! Uma mulher bonita e elegante bate à minha porta, para gentilmente trazer-me alguns bolinhos de bacalhau e eu, além de certamente estar cantando horrivelmente desentoado, estava malvestido. Pensei em desculpar-me num outro dia, presenteando-a com um bom vinho, depois pensei: Teria ela pensado que eu era português? Não! Ela já me tinha encontrado de outras vezes e me ouvira cumprimentar o porteiro e, logicamente, percebera meu sotaque brasileiro.

Passados alguns dias encontrei-a no elevador, estava com duas malas e parecia ansiosa. Perguntei-lhe se a viagem seria longa. Ela sorriu para mim e, num lindo sotaque português, disse: "Se Deus me permitir voltar, voltarei, se não, ficarei feliz em minha terrinha." Que seria...? Perguntei-lhe. Ela sorriu mais uma vez e disse: "Lisboa". Tive vontade, naquele momento, de pegar minhas malas e embarcar junto com ela para Lisboa, afinal era também um pouco filho daquela terra. O elevador chegou ao térreo, ajudei-a a colocar suas malas no carro e agradeci, mais uma vez, pelos bolinhos. Ela estendeu-me a mão dizendo: "Se algum dia fores a Lisboa ficarei feliz em mostra-la para ti!" Ruborizei de surpresa e felicidade. Ela entrou no carro e partiu para o aeroporto.

No dia seguinte voltei a praia, sentei no areia e rabisque feliz: Lisboa que me aguarde!

Suely Sousa
Enviado por Suely Sousa em 23/04/2013
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