Só por um olhar

Taty não se segurou ao passar pela loja de animais: era o cãozinho mais lindo que ela já havia visto nos últimos tempos! Ela sabia que já possuía um casal de gatos siameses em casa e que sua mãe iria ficar enlouquecida com tudo aquilo, mas não se conteve e comprou o filhote de dois meses. Ele era clarinho, com pelos que lhe deixavam o focinho ainda mais gracioso. Taty o levou para casa cheia de amor e de felicidade porque sabia que aqule animalzinho seria seu amiguinho para sempre. Levou, como esperava uma enorme bronca da mãe, mas logo seu amiguinho já era considerado "membro da família".

O tempo foi passando e Taty se divertia muito vendo seu cãozinho aprender o que fazer: primeiro aprendeu a descer as escadas e depois a subir. Quando isso aconteceu, ele, pela primeira vez, teve contato com o casal de gatos siameses, que morava numa "casinha" no alto da laje da casa de Taty. Infelizmente eles não podiam ficar soltos porque naquela área havia muita gente que roubava e até matava animais encontrados na rua. Mas Taty os mantinha presos em um longo fio, que os deixava andar por toda laje e sempre os levava para brincar dentro de casa. O pequeno cão aproximou-se dos gatos, cheio de inocência: o que eram aquelas ciraturas tão diferentes dele? O gato se encrespou um pouco, mas, surpreendentemente, a gatinha apenas olhou o cãozinho com seus meigos olhos azuis e deu um miado fraquinho, voltando a se encarapitar sobre o teto de sua casinha.

Os dias e meses passavam como se fossem raios e Taty começou a notar que seu cãozinho gostava muito de ir para a laje. Ele, no início, pensou que era para correr (ele adorava fazer isso!), mas logo percebeu que a coisa ia muito além: o cão subia na laje e se deitava próximo à casinha de seus gatos. Curiosa, Taty começou a prestar mais atenção e percebeu o que acontecia: seu cachorrinho deitava-se ali para olhar para a gatinha. Perecia impossível e coisa de sua imaginação, mas seu cão, com apenas seis meses, estava apaixonado por sua gatinha siamesa! E isso ficou cada vez mais claro porque aquele ritual se repetia todos os dias, pela manhã e à noite e parecia que o "rapazinho" estava sendo correspondido. E os anos passaram. Quando o cão já tinha três anos, a gatinha começou a definhar. Ela já estava bem velhinha para uma gata, tinha 14 anos. Ficou adoentada e miava cada vez mais fraquinho. Taty usou de tudo para ajudá-la, mas logo a luz dos melancólicos olhos azuis se apagou. O gato ainda viveu por mais um ano, mas sua morte também foi sem dores, durante o sono, como o de sua companheira.

Depois disso, aquele cãozinho nunca mais foi o mesmo: não subia mais na laje, não corria mais e ficava sempre quietinho, olhando Taty com seu belos olhos castanhos, tristes e solitários. Taty percebia aquela tristeza e chegou à conclusão de que a vida de seu animalzinho era como a sua: solitária, mesmo que cercada de pessoas. Ela compreendeu que, às vezes, só por um olhar vale a pena viver. E teve medo, muito medo de que aquela melancolia levasse embora seu amigo, na verdade, seu único e verdadeiro amigo. Foi à uma loja de animais e trouxe para casa uma cadelinha para fazer companhia a seu amado cão. Ele ficou amuado, com ciúme e não chegava perto da nova habitante da casa, mas logo estavam correndo juntos pela laje, brincando com a bolinha de borracha e com os bichinhos de pelúcia que Taty comprara para os dois. E a vida continuou, mas Taty tem certeza de que seu cãozinho jamais esquecerá aquela bela gatinha, pois, mesmo não enxergando as cores, como dizem os especialistas ocorrer com os cães, ela sabe que ele se apaixonou só por um olhar.