..**..A Menina Que Não Ria..**..

Sim, ela era uma menina diferente. Não gostava de doces, não gostava de animais, não gostava de banho de chuva. Ela era uma criança diferente... Vestia roupas escuras, cabelos sempre atados, uns olhos de preocupação ela tinha e nenhum sorriso ela dava.

Ela não era assim porque queria, nem porque mandaram, nem porque viu e nem sabia porquê. Mas ela... Ela aprendeu a ser assim com a vida. O destino impôs luto a sua existência desde a hora do parto, com a morte da mãe. Depois impôs luto ao pai, por acidente, depois aos avós, por velhice, e depois ao cachorro por fome... e a ela, coitada, sobrou o luto.

Ela era conhecida na rua como a menina que não ria. Nunca, nem por breves segundos, alguém jamais a vira sorrindo. Contavam-na piadas, charadas, faziam-na cócegas, mas nada. nunca sorriu. Nem sequer quando o circo chegou a cidade e ela foi voluntária de um espetáculo com palhaços... Todo o bairro riu e ela, no palco, sob luzes e aplausos, não.

Pensavam até que ela não tinha voz, nunca viram-na rir, nem chorar, nem gritar, nunca viram-na reclamar nem agradecer... parecia um ser sem alma, sem vontades e sem poderes.

Mas ela, a menina que não ria, ela sabia melhor que ninguém os motivos pelos quais nunca quis brincar de pega-pega na rua... Ela sabia as razões pelas quais nunca sujou a roupa na lama num dia de chuva, os motivos que a impediram de, supostamente, se divertir com os outros... A menina que não ria sabia muito bem tudo o que acontecia ao seu redor e sabia também que, ao contrário do que pensavam, ela não era nenhuma coitadinha, nenhuma incapaz, ela não era a menina que não ria. Ela simplesmente era essa pessoa que aprendeu a ser, que se tornou, que não comia doces porque não digeria o açucar direito, que levou mordidas e arranhões de animais, que adoeceu pegando chuva... ela era simplesmente essa criança-adulta que vestia as roupas escuras para não ter q lavá-las todos os dias, que prendia os cabelos pra não lhe atrapalhar a visão... ela era a menina que tinha uma preocupação nos olhos... a preocupação de não ficar sozinha no mundo, apesar de tudo.

A menina que não ria era feliz, dentro dos seus próprios limites. Ela gostava de flores e do vento, mas não dizia a ninguém com medo de que lhe tirassem isso também.

A menina que não ria perdeu muita coisa, muito cedo, em sua vida: os pais, os avós, abandonou a escola por falta de dinheiro e comunicação... afinal, para os outros ela não tinha voz...

E assim foi crescendo... a menina que não ria... morando sozinha, subexistindo, sobrevivendo mais do que vivendo... Até que um dia, no auge dos seus 39 anos... Quando ela achava que não podia perder mais nada... Uma senhora olhou-a nos olhos e disse:

_ Você sabe onde eu encontro a menina que não ri? Lhe fiz um bolo de alegrias, mas não a conheço e não posso entregar-lhe... Você poderia fazer-me este favor?

A menina que não ria era ela... Ela sabia bem de sua fama... Durante toda a vida foi apontada na rua como a Tristeza personificada... Mas ao olhar aquela senhora que detinha um pedaço de bolo colorido na mão, dizendo ser bolo de alegria... ao olhá-la bem fundo nos olhos... A menina que não ria disse:

_ Não conheço ninguém que nunca tenha tido momentos felizes pra não ter rido... Nem ninguém que nunca tenha tido momentos tristes para nunca ter chorado. Não conheço ninguém que precise de um bolo para ter alegrias... Mas reconheço as alegrias que um bolo pode trazer... Infelizmente não posso ajudá-la senhora... A menina que não ria, essa que a senhora procurava, morreu ao lhe encontrar. Obrigada.

E então, ela saiu andando, deixando a velha senhora com o pedaço de bolo numa mão, e na outra, a certeza da vitória que esta vinha buscando.

E por um breve momento percebeu que tinha perdido a única coisa que sempre teve na vida: a fama de menina que não ria. E se sentiu tão bem, que ao olhar pra trás para ver a senhora novamente, teve a certeza de ter deixado ali, naquele momento, todos os seus medos e toda a preocupação que tinha nos olhos... A menina que não ria se transformou em mulher... Tornou-se mulher... aos 39 anos... Conseguiu Acreditar...

E descobriu que perder uma identidade não é tão ruim assim... Somos o que queremos e não o que os outros dizem que somos. Somos mais que um pedaço de bolo de alegria... Somos a receita inteira!

E a menina que não ria foi embora...

E a mulher que acreditava... me contou essa história.

26/04/07