VIAGEM AO DESCONHECIDO

Vamos iniciar uma viagem cujo destino só conheceremos no final. Não é preciso ter medo do desconhecido, pois não há nada mais desconhecido do que o próprio ser humano. Além do mais, nesta nossa viagem, o destino importa menos do que a companhia que teremos. E é esta companhia de quem agora estamos a segurar as mãos. É esta companhia que pode fazer a caminhada ficar mais leve ou até mesmo insuportável. Isso só depende de nós. Esta companhia pode ser a nossa salvação... Ou a nossa perdição. Portanto, seguremos firmemente as mãos de quem nos acompanhará nessa viagem e, para apreciarmos melhor os lugares por onde passaremos, fechemos os olhos. Neste momento, os olhos da alma não nos iludem.

A primeira parada para um passeio tranquilo é em uma floresta. Lembremo-nos de que aconteça o que acontecer, não devemos soltar as mãos de quem nos acompanha. Logo na entrada da mata, é possível sentir o perfume agradável de ar puro, sentir a brisa tocar suave a face e ouvir os sons dos pássaros a cantar, da cachoeira a cair firme nas águas do rio que corre mansa e braviamente rumo ao mar. Tudo é um deleite absoluto para os sentidos humanos. Relaxemos, então.

De repente, um forte urro vem perturbar o sossego da viagem. O medo toma conta de nosso íntimo e o urro vai se repetindo, se repetindo, se repetindo cada vez mais alto e cada vez mais perto. Olhamos ao redor e nada vemos. De tanto procurar, deparamo-nos com um enorme, feroz e faminto animal selvagem. Ao avistá-lo, saímos em fuga desesperada à procura de um abrigo seguro.

A fuga nos leva até uma caverna escura. Entramos, porém sozinhos. O companheiro do início da viagem ficara para trás à mercê da própria sorte. E agora? O que fazer? Voltar e arriscar-se a ser devorado também? Ficar, prosseguir sozinho e suportar o peso da consciência?

Por benevolência divina não precisamos responder a tais perguntas. Certo tempo depois, o amigo abandonado adentra, ferido e cansado, à mesma caverna. Respiramos aliviados.

A fera que nos perseguiu e nos persegue é o Egoísmo e a caverna é nossa Consciência. Se tivéssemos fugido, ou lutado, mas sempre com o amigo ao lado, certamente a caverna seria tomada de muita luz.

Mas a viagem continua...

Na etapa seguinte de nossa viagem, temos de subir uma íngreme, rochosa e escorregadia montanha. Quanto mais subimos, mais forte e frio vai ficando o vento. A brisa que acariciava a face tornou-se tempestade que corta feito navalha. Desta vez, o amigo vai à nossa frente, nos puxando. Entretanto, a pressa de se livrar dos obstáculos e atingir o topo da montanha, faz-nos passar pelo amigo sem ao menos perguntar o porquê de tanta lentidão ou se precisava de ajuda.

Chegamos ao topo e, orgulhosos de nossa vitória, começamos a olhar o mundo de cima. Todavia, um momento de distração provoca um tropeço e caímos em um profundo abismo. Na queda, conseguimos nos agarrar na beirada do precipício. No limite de nossas forças, não suportamos a dor e os dedos, um a um, vão se soltando. A queda é certa. No entanto, quando o corpo ia despencar, uma mão salvadora nos segura. Infelizmente o peso é tão grande que caímos os dois.

A montanha é a busca insensata pelo sucesso, pela fama, por ser o primeiro em tudo. O despenhadeiro do qual caímos pode ser a soberba, o orgulho, a vaidade. Por vezes esse abismo é tão grande que arrastamos para ele as pessoas a quem dizemos amar ou nutrir um sentimento de amizade.

Mas a viagem continua...

Na queda, fomos parar em um lugar escuro, frio, um lamaçal negro e lodoso cheirando a podridão cadavérica. Uma névoa muito densa nos impede de enxergar direito qualquer coisa que seja. Nesse lugar era possível escutar somente lamentos, choros agonizantes, gemidos de profunda angústia e desespero.

Quando os olhos foram se acostumando àquele ambiente, foi possível notar seres horrivelmente disformes e maltrapilhos a rastejar pela lama fétida e a nutrir-se dos próprios detritos. O mais abandonado mendigo seria um rei perto desses seres. O nosso horror foi maior quando percebemos que nos assemelhávamos em muito a esses seres horripilantes. O mais curioso de tudo é que a todo instante culpávamos o outro pela nossa queda.

Sem ter mais saída, prostramo-nos ajoelhados e fomos premiados com a Misericórdia Divina.

Mas a viagem não termina aqui...

Fomos levados ao próximo e talvez último ponto de partida para a última e mais dolorosa etapa de nossa viagem. A viagem para si mesmo. Deste ponto em diante teremos de seguir sozinhos.

Nesta etapa, nos vimos criticando o fato de certas pessoas não saberem coisas, para nós, básicas. Ora bolas! Quantas vezes nos propusemos a ensinar? Outras vezes vimo-nos eximir de nós a responsabilidade de fazer algo porque simplesmente não sabíamos fazer. Santa paciência! Quantas vezes tivemos predisposição para querer aprender?

Como é doloroso reconhecer que em nós há os mesmos e até mais “defeitos” do que aqueles que criticávamos nos outros!

A viagem não termina aqui, mas é possível mudar a direção que seguimos, mesmo que sempre voltemos para o lugar de onde viemos.

Cícero – 17/06/2014

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 23/06/2014
Reeditado em 17/06/2015
Código do texto: T4855965
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