Aviso: o  texto abaixo não pretende fazer apologia do nazismo, antes, se propõe a refletir sobre o homem quando este está submetido a regimes que muitas vezes o levam a cometer em nome de ideologias, sejam elas de direita ou de esquerda, crimes e brutalidades contra o semelhante, justificados por estas ideologias. 

 
 
Orgulhava-me de fazer parte do grande Reich alemão, era da divisão SS Adolf Hitler da Polizei Division, a tropa que triunfava em todas as batalhas e que não hesitava em assassinar quantos nos desafiassem. Sabíamos que estávamos numa luta gloriosa da "kutur" contra a civilização decadente,  eramos a tropa do novo mundo. Lembro-me que muitas vezes fuzilávamos impiedosamente aqueles judeus que a Wermacht se negava a assassinar por fidalguia ou até para nos humilhar. Mas no final íamos lá e fazíamos o serviço, o nosso uniforme negro era imponente e assustador, o nosso lema era matar, matar, impiedosamente, afinal nossa caveira no quepe era para anunciar que eramos a porta do inferno para os nossos inimigos e a salvação do grande reich alemão e da cansada Europa. Lembro-me da tomada de Kharkov, sei que falar estas coisas é muito complicado, mas lembro-me bem daquela manhã que entramos naquele prédio em chamas, mas ainda habitado, onde a Wermacht havia abandonado suas posições e nós fomos chamados, não me nego a dizer, usamos o lança-chamas mesmo, os grunhidos e gritos de dor eram terríveis, mas a guerra é isso mesmo, não fomos nós que a inventamos, aquele lança-chamas metendo fogo por todos os cantos do prédio e aquela gente saindo em nossa direção pegando fogo, carbonizados, isto é a verdadeira face da guerra, o pai e a mãe de todas as coisas, como diazia Heráclito,  o fato é que ocupamos Kharkov e a Ucrânia estava sob nosso domínio e vale lembrar que eramos em linha direta os continuadores de Agamenon Aquiles, Alexandre...

Eramos sim os guardiões da kultur europeia, estávamos espremidos pela França e  pela URSS bolchevique e a conspiração judaica, lembra-se dos escritos do Sião? , sim a nossa missão maior era fortalecer a Europa, literalmente transformá-la numa Fortaleza Europa. Era oficial  de uma divisão de tanques Panzer e estávamos a mais de 350 quilômetros a sul de Moscou quando fomos requisitados pelo comando da Wermacht a marchar em direção a Stalingrado com a missão de colocar de joelhos toda a nação de sub-homens russos. Stalingrado era simbólica para implementar o domínio dessa raça inferior. Nós eramos a tropa que faria esse trabalho glorioso. Tinha sob meu comando um batalhão com 4000 homens que faziam parte da Totenkopfwerband - tropas de assalto, homens forjados a ferro e fogo,  amalgamados na arte de guerra. Eramos parte do IV Exército, liderados por Von Bock, infelizmente eramos subordinados a Wermacht e confesso, eles não gostavam muito do nossa vigor, altivez e energia em combate, não vacilávamos mesmo, se não se rendiam metiamos fogo e se se rendessem enfileirávamos e mandávamos pro inferno de qualquer jeito, tínhamos que limpar o caminho e "higienizar" a Europa e preparar a vinda do nosso povo a estas imensas planícies que abastecerão de trigo e de petróleo o glorioso Reich. Sei que nosso Füher tem cometido equívocos, sei que o Füher tem só uma palavra e ela dura pouco. Participei da Noite dos Longos Punhais, fuzilei o professor Stubart, e tantos outros... sei que nos metemos nesse negócio que não é muito limpo, mas na lógica da gang, não jogar sujo é um pecado  mortal,  matamos, escravizamos, destruímos. Sei que no futuro ninguém saberá ao certo o que de fato aconteceu, quantos seres foram vencido pela "seleção natural" implementada pelas nossas tropas.  É certo que de batalhas não se ficam muito, mas de guerras vencidas sim... o que importa é o final e no final seremos vencedores... travamos agora uma batalha de materiais e os nosso embora em menor escala são melhores que qualquer outro....soube já que as V1 serão substituídas pelas V2 e já estamos com o projeto de construção de um avião de caça a jato já em curso...como dizia,  seremos vencedores e ninguém nos perguntará pelos abusos cometidos.... A minha tese de doutorado foi sobre o darwinismo social... Sim precisamos limpar o terreno a transformação, penso que somos um povo que urge por um espaço vital e que precisa se auto afirmar sobre os outros povos, sobretudos os latinos e a besta eslava; o nosso caldo cultural é expressivo, a Europa nos deve muito, não temos que nos dissolvermos na civilização doente dos EUA ou no sangue infectado da revolução bolchevique. Somos o epicentro dos acontecimentos, mas isto já estava sendo dito pela nossa vigorosa filosofia, somos a longa marcha rumo a um novo mundo, a um novo homem a outra civilização que emergirá da floresta negra... a Europa niilista, decadente, enfim se afirma como no discurso do grande professor Rosemberg sob as botas das SS...

As botas da SS são digamos assim a síntese de todo um pensamento que se inicia com Kant, Hegel, o camarada Nietzsche, a qual a nova Alemanha deve muito, aos professores Sombart, Spengler e o nosso queridíssimo camarada intelectual e oficial da Wermacht Ernest Jünger, a alma do nosso nacionalismo. A Europa deve muito a esse nacionalismo nacional... repito a  Europa deve se proteger dos ataques da besta eslava, da fraqueza e indolência dos latinos e do pragmatismo saxão... a nova ordem que deve ser estabelecida logo que ocuparmos e vencermos as estepes geladas da Rússia nos legarão o poder mundial... sim temos que apoiar os regimes como os nossos, como os da Espanha e de Portugal...temos que conquistar espiritualmente a Europa de leste a oeste...

Li muito Oswald Spengler sobre a decadência do ocidente, li até o judeu Kafka, mas li, sobretudo sobre a nossa gloriosa história e aprendi com os cavaleiros teutônicos a não arredar pé da batalha travada. Essa nossa burguesia decadente não pode dar lugar as ideias infectas do bolchevique judeu... Sim fui talhado na guerra, na Grande Guerra tive um braço amputado, mas ainda assim luto, luto pelos ideais de meu povo. O que nos salvará é a tecnologia, é o silvo dos canhões são as lagartas das divisões panzer, da guerra rápida e bem planejada ao gosto prussiano; o zumbido dos Stukas aterrorizando com sua "Trombeta de Jericó" nossos inimigos. Orgulho-me de pertencer a SS e fui outrora da SA. Sei que desde o Sacro Império Romano Germânico que a nossa Alemanha tem comido o pão que o diabo amassou e apesar de sermos o povo mais avançado da Europa a nós nos é negado o nosso espaço, a nós nos é negado mercados e fontes de matérias-primas, mesmo dominando a técnica de transformar ferro em aço e este em diversos aparatos técnicos, de dominar a química fina, a energia nuclear, de ter patenteado inúmeros inventos e de ter contribuído para o avanço científico mundial, somos uma nação espremida e nossos rivais franceses embora latinos e inferiores tenham tido êxito em nos subjugar. Somos o espírito da europa!

O cerco de Stalingrado durou semanas e meses e cada vez que dávamos um golpe, vinha um contragolpe terrível da besta eslava, os "culhões de Stalin" nos castigavam dia e noite, noite e dia aquele som aterrador que ainda hoje me faz lembrar a porta do inferno, mas ainda assim lutavámos para além de nossas  forças, casa a casa, palmo a palmo,   até que fomos vencidos e fui um dos poucos que sobreviveram e fui levado a um campo de concentração russo. Daí por diante as noticias que a mim chegavam eram aterradoras, os russos estavam cada vez mais próximos de Berlim, nossos soldados caíam no sepulcro da neve, as nossas divisões e exércitos foram sendo vencidos e a cada dia a nossa ruína
se aproximava.  Mas eu também me arruinava, meus sonhos de glória e de prestígio, a minha carreira ascendente nas hostes do partido e da tropa já faziam parte do passado, agora era um ser humano reduzido a trapos, como tantos outros feitos prisioneiros de guerra,  cercados por cercas eletrificadas e guardas de campo tão ou mais terrível do que os nossos, e além do que começou a desenvolver-se em mim uma cosciência moral e um certo remorso, coisa que sempre achei de individuos decadentes. Fui poupado de morrer porque era oficial e teria muito a colaborar, coisa que me neguei a fazer e assim tive que pagar o preço, mas por sorte minha não fui fuzilado... ainda hoje não compreendo porque, mas preferia porque a vida era tão miserável que pensei muitas vezes em me suicidar... mas confesso, era covarde. Certa manhã de maio de 1945 soube que Berlim havia sido conquistada e todo o Reich havia sido posto de joelhos, no mês de setembro me libertaram, não acreditei mas estava livre...resolvi não voltar mais para a Alemanha e ir para o Oriente ou qualquer lugar distante da Europa, soube que toda minha família havia sido assassinada pelo regime do qual eu era um ponta de lança, também fiquei sem compreender, já que meus pais famosos comerciantes e alemães com um filho na SS não poderia estar sob suspeita do regime...mas enfim, ao invés de ir para o Oriente me veio uma vontade de rumar para Ocidente, para além mar, para a América, talvez Argentina, não sabia ao certo pois ainda estava desorientado com toda aquela situação, era livre mas não sabia o que fazer com a minha liberdade. Conheci na prisão um casal de militares ucranianos que também foram soltos e eles me convidaram para ir até a Ucrânia, aceitei por não ter para onde ir do que pela Ucrânia, o que iria fazer ali um alemão que há três anos  invadio , barbarizou, assassinou, cometeu toda sorte de crimes contra esse povo, em nome dessa ideologia desgraçada que agora virava uma sombra sobre mim.               

Resolvi fugir de mim e da Ucrânia, já que as lembranças da guerra me causavam dor, além do que os russos estavam ali a estabelecer seu dominio cruel sobre aquela gente esmagada por nós e agora pelos soviéticos .  Decidi iajar pelo Báltico e pegar um cargeiro até a Argentina, disseram-se que naquelas bandas poderia viver em paz,  embora as lembranças do filme tenebroso  que é a guerra me perseguisse e as cicatrizes fisicas e espirituais continuavam a me doer como um prego na palma da mão.  Passei a viagem toda a refletir sobre aqueles tempos terríveis onde a vida não valia nada e onde o ódio ao próximo era o que nos animava. Pensei naqueles desfiles onde marchavamos em passo de ganso ao som daquelas marchas triunfais, aquela população inteira a nos ovacionar, mães entregando flores, crianças a nos saudar. Também me vinham na lembrança as criança, mulheres e velhos que vi morrer  ou ajudei a matar e tudo aquilo provocava uma profusão de sentimentos difusos e me causava desorientação e um  sentimento de nojo e repugnância de mim mesmo e da humanidade. Evitava pensar, pois era capaz de endoidar, observava  o firmamento e seus mistérios como escape de uma memória que insistia em me trair; contemplava  a serenidade do mar, tinha tédio e começava a achar tudo absurdo. A saída era me encharcar de ópio e de  álcool.    Desejava  ter uma nova vida naquele  país nos confins da América, esquecer que um dia fui um soldado a serviço da morte e da destruição.
Hoje  depois de  décadas e refletindo não mais como um soldado, mas como ser humano, me dói o que tivemos  que fazer a serviço de um ideal que nos foi  imposto, que nos envenenava quando jovens e que viámos o outro, o ser humano o semelhante como inferior, somente hoje pensando estas coisas e dizendo como pensava, ou como fui levado a pensar, que tudo isto é apenas destruição, nacionalismo, extremismo, barbaridade mesmo, tinha apenas 25 anos e como todo jovem, queria prestígios e glórias mesmo que as custas do sangue alheio e tudo se justificava, tudo, desde que fosse em nome da ideologia, da pátria, do Füher, e do povo....  
 
 (Em Construção...)
Labareda
Enviado por Labareda em 29/06/2014
Reeditado em 30/06/2014
Código do texto: T4862504
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