Menina-livro

Quando eu era pequena, acreditava que era filha legítima dos livros. E isso não é apenas uma forma poética de dizer. Não! Era um segredo muito bem guardado: eu era uma menina mágica, o primeiro ser humano gerado por um casal de livros, que morava em uma linda biblioteca (bastante parecida com a da Dona Benta) até que...bem, era tão triste imaginar o porquê eu havia me separado desses meus deliciosos pais-livros que eu acabava nunca chegando nessa parte.

Essa fantasia já deve dizer um pouco sobre a importância dos livros na minha infância. Aprendi a ler com quatro anos de idade, antes mesmo de entrar na escola e, desde então, foi aos livros que recorri em todas as grandes necessidades da minha vida. E é interessante, porque parece que, sem eu notar, os livros certos sempre acabavam parando nas minhas mão no momento certo. Para abrir as portas de um mundo grande e distante demais para a criança trancada em um apartamento; para orientar a minha tristeza em momentos em que sentia que ia me esvair em uma desesperada solidão adolescente; para me fazer conhecer os valores que orientam a minha vida adulta.

Eu ganhei amigos nos livros a quem procuro até hoje, quando quero conversar - Laura Ingalls, Narizinho, Vó Benta, Heidi, o menino Cazuza. Sarah Crewe, a deliciosa heroína de A Pequena Princesa, foi minha irmã, meu alter-ego, minha redenção em tantos momentos que eu não poderia nem contar. Ela me salvou quando me revelou que podemos criar histórias. E foi por causa dessa revelação que consegui sobreviver e transformar a minha vida em alguma coisa que considero digna de ser contada, de ser vivida.

Hoje, meu trabalho é contar histórias: para os leitores que querem ler o que crio e, principalmente, para o meu filho. Ele nasceu e cresce em meio a livros, muitos livros. Desde bebê, sempre foi estimulado a manuseá-los, olhá-los e respeitá-los. Hoje, meu filho acaba de aprender a ler e já é louco por histórias. E é aos livros que agradeço o exemplo e a orientação para criá-lo de uma forma digna, tendo como base valores como educação, respeito, honestidade e compaixão.

É... Acho que sou mesmo um caso sem salvação porque, bem lá no fundo, acredito que o meu filho tão querido é um menino mágico, o primeiro ser humano neto de um casal de livros.

Ana Rodrigues
Enviado por Ana Rodrigues em 08/09/2005
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