Ombros de pó

Havia dois ombros, que se chamavam Majestosos. Com eles estavam casadas duas asas, que pensavam ser de diamante e que se chamavam Altivas, mas que sempre ficavam escondidas -- caso contrário, os ombros se separariam delas, deixando-as ao vento. Esses dois, ao nascer do dia, pensavam raiar sobre todos os demais membros do corpo, sombreando-os com sua majestade. Todos os dias, de ocaso a ocaso. Dia após dia, os ombros, que se viam como deuses, andavam estufados, com pena dos meros membros sem valor que não residiam ao lado deles na torre da glória. Certo dia, ainda cedo, os ombros, que já estavam a reluzir suas coroas e mantas reais, depararam-se com uma pedra (que, na realidade, não parecia ser bem uma pedra, mas um pedregulho). Ela se encontrava sobre o lugar em que se sentavam todos os dias, onde ficavam olhando e menosprezando todos os outros membros (braços, pernas, coxas, calcanhares, cotovelos etc.) que por ali passavam. Tentaram movê-la, erguê-la, tirá-la do assento, mas nada adiantava. Suas forças não eram suficientes. Ajuda eles não pediram, e os motivos são óbvios. Eles eram bons de mais para necessitar de qualquer auxílio, ainda mais se vindo de membros inferiores a eles (ou seja, segundo eles, todos os demais). O que seria o corpo sem os ombros? Ora, onde mais ele vestiria seu manto real? -- pensavam eles. Mas não diziam. A pedra continuava lá, e eles não se sentariam em outro lugar senão naquele, onde podiam ver todos do corpo. Os ombros, então, pegaram suas ombreiras, abriram suas asas, que pensavam ser de diamante, e decidiram isto fazer: eles iriam pegar o maior impulso que conseguíssem para, vindos de bem longe, bater na pedra, a fim de empurrá-la do local no que queriam se sentar. Foram o mais longe possível da pedra, abriram as asas, vestiram as ombreiras e foram!: a pedra se moveu nem sequer um centímetro. Os ombros? Foram rasgados em quatro, enquanto as asas se quebraram ao meio.

Depois disso, ouviu-se uma voz. Era o intelecto. Ele disse: ombros, vocês não passam de meros músculos sem movimento, incapacitados; quanto a vocês, asas, não são mais que asas de moscas. Vocês não passam de meio sopro para o Criador e Senhor de todos os corpos.

Cesare Turazzi
Enviado por Cesare Turazzi em 18/10/2014
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