Retrato da Coragem versus Lucidez

O homem já não tinha muita força. Chovia fraco, o céu estava coberto com a escuridão e algumas corujas entristeciam ainda mais aquela noite. Dava pra ver os muros de algumas casas, graças às luzes fracas dos postes, e o som das folhas molhadas das árvores ao vento se fazia presente e fazia o homem estremecer. À cada passo que dava parecia que o chão o tomaria posse e ele ficaria ali, para todo o sempre. Suas pernas tremiam de frio e de medo, o cansaço já nem era perceptível. Ele fingia não escutar os diversos barulhos que ouvia, vindos de trás das árvores, imensas árvores das quais a agua caía e fazia a chuva parecer mais grandiosa. Ele parou. Os barulhos também pararam. O som da chuva tocando tudo que era sólido foi a única coisa que ele pôde ouvir. Mas de longe, bem de longe, conseguiu o homem ouvir um cavalo andando, bem devagar, com seus cascos duros e firmes sobre o chão molhado daquela rua deserta. O som ia aumentando, ao passo que a velocidade dos passos também. Agora o cavalo pareciar galopar com uma velocidade de fuga, ou de perseguição. O homem olhava fixo para o fim da rua, tentando descobrir a imagem do animal entre a neblina que ali tomava conta, entre as finas gotas de chuva que, juntas, faziam uma nuvem embaraçosa. Quando o cavalo parecia que ia surgir através daquilo tudo o som sumiu e o homem só pôde ouvi-lo dentro de si, em sua mente, em sua memória. Este então levantou as mãos à cabeça, pensou em gritar mas não o fez. Ele não sabia onde estava, com quem estava. Mas o grito ecoou dentro de si, misturando-se ao som do galope do cavalo, o fazendo estremecer mais ainda, e, enfim, derramar a primeira lágrima. Aquela foi mais forte que qualquer uma das gotas de chuva que não paravam de cair. Ele pôde distinguir em sua face. A lágrima era mais quente, a lágrima o aqueceu, mas apenas por fora. Lá dentro ainda continuava frio. Nem os batimentos acelerados de seu coração ajudavam, nem seu coração ajudava. O homem caiu ao chão de joelhos e levou a cabeça aos mesmos. Só o que percebia era o som dos cascos grossos do animal rachando contra o solo, que não saía de sua mente. Foi perdendo cada vez mais a coragem, a força, a razão. Cada vez mais. Ficou ali, durante algum tempo, tempo suficiente pra perder por completo a noção. Toda a razão foi embora. O homem então se levantou e deu risada, gritando aos berros. A segunda lágrima foi então derramada. Esta agora aqueceu todo o seu ser. Para ele não chovia mais, não havia escuridão, não haviam sons através das árvores, não havia as árvores, nem os muros, nem as casas, não havia nada. Só o que havia era um homem sorrindo, gritando, correndo por uma estrada que ninguém jamais ousou em seguir.

Epa Filho
Enviado por Epa Filho em 11/06/2007
Reeditado em 11/06/2007
Código do texto: T522417