Encontros

Os encontros entre pai e filho, naqueles finais de semana predeterminados, eram sempre iguais: o pai o levava comer fora, de preferência em algum fast food barulhento, enquanto ficava no seu smartphone, teclando e rindo. O menino, com olhos arregalados de admiração (quando crescesse também teria barba, e óculos escuros, e telefone, e amigos pra conversar por whatsapp como o pai), contava com detalhes como o Lucas havia caído do gira-gira, como tinha vencido o Pedro no futebol, como era engraçado o desenho dos monstros que passava toda terça à tarde, como o pai do Marquinho tinha conseguido botar seis moleques no carro pra andar de kart.

- Mó dez, né pai? Me leva, pai? Hein, pai?

O homem olhava de relance para o menino.

- É sim, filho. Tome sua coca-cola.

E o menino continuava falando, empolgado, feliz; de vez em quando o garfo de plástico do fast food virava um aviãozinho, o guardanapo amassado um carrinho, vrum, cê viu pai? Mó cavalo de pau! E se satisfazia com os monossílabos do pai, que tinha barba e óculos e um monte de amigos no facebook e um telefone mó legal.

Depois do lanche, levava o garoto para seu apartamento, colocava um desenho na TV e ficava no celular a tarde toda. No começo da noite, devolvia o menino à mãe.

E assim dez anos se passaram, rápidos como as palavras disparadas pela boca metralhadora do filho.

O adolescente já não saia mais com o pai nos finais de semana, mas pedia caronas para cada vez mais longe. E o caminho era invariavelmente entrecortado de palavras e silêncios, agora invertidos: o pai, cuja barba já mostrava dois ou três fios prateados, procurava com toda sinceridade algo para perguntar ao filho - o filho de quem ele nada sabia e cujas respostas a suas inúmeras perguntas vagas eram monossílabos cheios de enfado.

Mais tarde o filho, já com seu próprio filho, olhou o velho cheio de tubos no hospital e entendeu que, mesmo que quisesse, aquele homem não teria como proferir uma só palavra. E ele, sufocado pelo sentimento ambíguo de amor e desprezo, já não achava mais palavras para dizer ao pai, como há muito acontecia.

Foi a primeira vez, em toda a vida deles, em que as palavras e os silêncios não se encontraram. Sobrou a mudez comum - carregada de significados, porém tardia.

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Este texto faz parte do exercício criativo Palavras e Silêncios

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